terça-feira, 10 de setembro de 2013

RONALDO E A SELECÇÃO



A IDOLATRIA QUE A EGOLATRIA RECLAMA
 

 

Cristiano Ronaldo é, sem dúvida, um dos maiores atletas portugueses de todos os tempos. No futebol, ao serviço do Manchester United e, principalmente, no Real Madrid, ele tem demonstrado toda a sua imensa classe como futebolista de eleição a ponto de ombrear com génios do futebol como Messi, Iniesta, Xavi e Ribéry, entre outros. Por uma vez já foi eleito o melhor futebolista do ano. Também por uma vez venceu, no Manchester United, a Liga dos Campeões Europeus que é, como se sabe, a mais prestigiosa prova do futebol internacional.

Nos últimos três anos, Ronaldo foi algumas vezes determinante nas vitórias do Real Madrid (um campeonato, uma Taça, uma Supertaça) talvez até mais do que nos cinco anos que esteve ao serviço do Manchester United, porventura por no clube inglês prevalecer uma mentalidade mais colectivista imposta por um treinador para quem não havia “estrelas” que, independentemente do jogo jogado, brilhassem mais do que outras.

Na selecção portuguesa, onde Ronaldo já alinhou mais de cem vezes, as suas prestações têm sido infelizmente bem menos determinantes do que nos dois grandes clubes por onde até hoje passou. A par de alguns jogos conseguidos, Ronaldo na selecção, talvez pela diferença que ele entende ou intui existir entre a sua capacidade como jogador e a dos colegas, não tem sido na maior parte das vezes feliz. Mais: muitas vezes, nomeadamente no tempo de Queirós como seleccionador, as prestações de Ronaldo foram prejudiciais pelo excessivo individualismo que, voluntaria ou involuntariamente, acabava por “impor” à equipa. Muitos críticos, principalmente nas redes sociais, pediram o afastamento de Ronaldo por entenderem que jogando daquele modo a sua presença era prejudicial à selecção. Aliás, numa das poucas lesões da sua carreira, em que por razões óbvias esteve afastado da selecção, essa ausência correspondeu a um dos melhores períodos da selecção nessa fase de apuramento.

Nada disto lhe retira a classe que indiscutivelmente tem nem a importância de que a sua presença, desde que devidamente integrada na equipa, se pode revestir para os êxitos da selecção. A verdade, porém, é que Ronaldo na selecção está longe – ainda muito longe –, ao longo dos anos que já leva como internacional, de ter sido tão determinante como outros jogadores, alguns deles ainda seus contemporâneos, como Figo, Deco, Rui Costa ou mesmo João Pinto, prematuramente afastado por razões disciplinares. E se recuarmos no tempo e nos situarmos nos períodos em que o futebol português brilhou, como aconteceu no europeu de França e no Mundial de Inglaterra, então Ronaldo perde por pontos para Chalana (que encantou a França) e fica a uma longa distância de Eusébio que em 1966 teve uma das mais memoráveis participações que um jogador pode ter numa fase final de um Campeonato do Mundo de Futebol.

Algumas destas glórias não eram tão badaladas depois dos feitos ocorridos porque os meios de comunicação da época dedicavam o seu tempo a assuntos mais importantes deixando ao futebol apenas o tempo necessário para descrever ou mostrar o que se passara. Ainda não estávamos na era das sociedades da comunicação...

Hoje não é assim. Por todo lado há canais especializados em futebol que falam ou mostram futebol 24 horas por dia. Há vários programas semanais sobre futebol nos canais generalistas e há nos canais noticiosos, abertos 24 horas, múltiplos programas sobre futebol desde os mais indigentes aos mais interessantes, estes muito escassos ou quase inexistentes. É por isso normal que pequenos e grandes feitos, nomeadamente se tais feitos têm alguma ligação ao pátrio solo, sejam empolados, exagerados e repetidos até à saciedade, criando na ideia de quem ouve e de quem vê que este é um tempo excepcional em que no futebol se fazem coisas que nunca noutros tempos foram feitas.  

Ainda agora a propósito dos três golos de Cristiano Ronaldo à fraca e ingénua selecção da Irlanda do Norte se teceram loas e fizeram comparações completamente despropositadas ou mesmo absurdas. Se um jogador faz cento e tal jogos pela selecção e com eles sobe a sua marca para mais de quatro dezenas de golos é evidente que essa marca não pode ser comparada com as mesmas quatro dezenas de golos obtidos por outro jogador em cerca de metade dos jogos. Assim como o record de golos da selecção em poder de um determinado jogador não pode ser analisado comparativamente sem entrar em linha de conta com as equipas contra as quais a  maior parte desses golos foi marcada. É importante marcar golos, mas os golos não valem todos o mesmo. Não têm todos o mesmo significado e importância. Dependem da equipa a que foram marcados e dependem também da importância que eles tiveram para o resultado do jogo!

Esta idolatria à volta de Cristiano Ronaldo, que ele alimenta e sinceramente deseja com a sua exagerada egolatria, pode ter efeitos nefastos na selecção. De facto, é hoje patente aos olhos de qualquer observador a influência de Ronaldo na selecção. Jogadores em fim de carreira ou já sem performance para representar a selecção, a propósito e a despropósito, desdobram-se em elogios a Ronaldo e em qualificações que só podem ter uma interpretação: "Se eu o elogiar ele vai-me proteger e ninguém ousará tirar-me da selecção sabendo que outra é a vontade de Ronaldo".

E mais: Ronaldo parece ter um estatuto que outros jogadores não têm. Era importante que Ronaldo estivesse esta noite em Boston para defrontar o Brasil. Das duas últimas vezes que jogou contra a equipa brasileira as suas exibições foram fracas, de modo que esta seria uma excelente oportunidade para se mostrar ao público norte-americano frente a uma grande equipa, composta por grandes jogadores entre os quais desponta uma vedeta que ameaça disputar na época em curso as atenções que agora quase são monopolizadas a Messi e a Ronaldo.

Infelizmente, Ronaldo não estará presente. Mas no próximo fim-de-semana alinhará pelo Real Madrid contra o Villa Real.  

terça-feira, 3 de setembro de 2013

OS PROBLEMAS DO BENFICA


A CONFIRMAÇÃO DO QUE SE PREVIA

 

O lamentável, embora esperado, início do Campeonato confirma o que se esperava do Benfica para a época em curso.

Depois do descalabro da época passada em que em pouco mais de três semanas deitou a perder tudo o que durante a época fora amealhando, o Benfica começou a época – e antes dela a pré-época – com o mesmo estado de espírito com que ficou depois do empate em casa com o Estoril e da derrota no Porto: uma equipa desanimada, descrente e incapaz de reagir à adversidade. E quando este é o estado de espírito de uma equipa (ou de uma pessoa) todas as suas qualidades caem em flecha. O brilhantismo que ontem era atingido com naturalidade, tanto a nível individual como colectivo, torna-se agora numa espécie de miragem do passado, incapaz de se repetir e - pior do que isso – torna-se para os mesmos protagonistas incompreensível como tal brilhantismo chegou a ser alcançado outrora tão longe ele está hoje de poder ser repetido.

Este estado de espírito da equipa do Benfica, e que somente a presença de um outro jogador novo a momentos disfarça, não vai passar com o decurso do tempo, correndo, pelo contrário, o sério risco de se agravar a cada dia que passa.

Foi notório no jogo da Madeira a incapacidade de reacção da equipa, como notória foi a ausência de processos alternativos que pudessem inverter a situação ou que, no mínimo, criassem na mente dos jogadores a convicção de que ela poderia ser invertida. A mediocridade da exibição contra o Gil Vicente, marcada por um grau de desperdício inaceitável e que nada tem a ver com a sorte do jogo, confirma o que na Madeira se começara a evidenciar. Finalmente, o jogo do passado sábado contra o Sporting voltou a mostrar uma equipa sem ideias – ou muito saturada das ideias que tem –, dominada em largos períodos do jogo por uma equipa de novatos praticamente acabada de formar, que apenas alcançou um empate graças à genialidade de um jogador, o mesmo se podendo dizer do único lance que, depois do golo, poderia ter dado a vitória ao Benfica.

Há indiscutivelmente uma fadiga psicológica na equipa que nada tem a ver com a incerteza do desfecho sobre o mercado de transferências, ele próprio muito afectado, no que respeita ao Benfica, por essa mesma fadiga que degrada e desvaloriza o valor negocial dos jogadores. De facto, os jogadores do Benfica eventualmente transferíveis não sofrem de instabilidade emocional reflectida na sua prestação desportiva por não saberem se vão ou não ser transferidos ou da eventual oposição do clube a essa transferência, mas por saberem que apesar de o clube os querer vender, pelo menos três ou quatro – Matic, Garay, Sálvio e, eventualmente, Gaitan – não há quem lhes pegue pelo valor que eles realmente têm. Esta sim a causa dessa instabilidade, ela própria gerada pela situação psíquico-desportiva da equipa.

A primeira conclusão que inevitavelmente tem de se tirar é que esta situação não é fruto do acaso nem das famosas contingências do futebol – esta situação era previsível e tem responsáveis. Tanto mais responsáveis quanto mais fácil de prever seria o que se iria passar se tudo continuasse na mesma.

O primeiro grande responsável pelo que se está a passar no Benfica é aquilo que de uns tempos a esta parte se passou a denominar um pouco enigmaticamente por a “estrutura do Benfica”. Ou seja, os responsáveis pela gestão, organização e condução do futebol do Benfica – algo que no Benfica não se sabe bem o que seja.

Sabe-se que o Presidente tem um forte pendor autocrático, remetendo para a subalternidade subserviente os que com ele trabalham, e sabe-se também que a sua ignorância em matéria de futebol e do próprio mundo do futebol tem a mesma dimensão, se não até maior, que a sua autocracia.

No plano técnico, algo que numa equipa organizada segundo os mais modernos padrões de gestão do futebol deveria estar completamente subordinada àquela estrutura no plano, digamos, “político”, sabe-se que o Benfica tem um treinador incapaz de expor uma ideia com clareza e de formular um raciocínio escorreito com princípio, meio e fim. Tem um treinador – e certamente o mesmo se passará com a equipa técnica que o acompanha – que, não obstante os méritos do seu autodidatismo – quase sempre insuficientes, qualquer que seja o ramo de actividade -, está longe de corresponder na presente fase ddo clube ao tipo de treinador que o Benfica precisaria, quer no plano técnico-táctico, quer no plano comunicacional, quer no do relacionamento com o plantel .

Durante um certo período, já manifestamente ultrapassado no ano passado, Jorge Jesus serviu os interesses do Benfica tendo em conta a fase em que o clube se encontrava. Desde há mais de dois anos que existe um desajustamento evidente entre as novas necessidades e a capacidade de resposta da equipa técnica, a que se deveria ter posto cobro normalmente.

Finalmente, consequência dessa ausência de “estrutura” e de condução técnica subordinada é a actual composição do plantel independentemente de quem ainda possa vir a sair ou a entrar. O Benfica não tem uma defesa à altura das suas pretensões, facto que já o ano passado era muito visível.

Artur é incerto e pode comprometer gravemente a equipa a qualquer momento como se viu na época passada em quatro jogos decisivos. Maxi não para há cinco anos, está muito instável – também já estava o ano passado – e pode a todo o momento e em qualquer jogo ser expulso em lances cuja perigosidade não exigia tal comportamento. Luisão tem o peso dos anos. Ou está bem posicionado e se antecipa ou só tem como recurso a obstrução ou ser batido. Garay, o melhor dos cinco, está ausente e até parece que perdeu sentido posicional. Cortez, mais uma invenção de Jesus – e pela valia das invenções se avalia o nível do inventor …-, vai dar certamente muitas dores de cabeça à equipa e comprometê-la ainda mais do que ela já está.

Com esta defesa o Benfica irá somar um número record de golos sofridos.

Perante isto, o que fazer? Era preciso mudar quase tudo, mas como isso não será fácil o mais provável é que se vá assistindo a uma lenta mas persistente degradação capaz de comprometer o destino do clube muito para além dos resultados desportivos de uma época.