sexta-feira, 27 de junho de 2014

A SELECÇÃO PORTUGUESA NO MUNDIAL DO BRASIL


 

O DESPREZO PELO ESSENCIAL

Muitos foram os erros e as manifestações de incompetência que acompanharam a triste deslocação ao Brasil da selecção nacional de futebol. Desde a convocatória até ao local escolhido para sede da selecção durante o Mundial, passando pela preparação, tudo correu mal.

Como já foi dito e redito por toda a crítica é inaceitável a convocação de jogadores que além de terem tido um fraco desempenho durante a época apresentavam também problemas de ordem física impossíveis de superar no curto espaço de tempo em que se realiza o Mundial de Futebol. Como inaceitável é que se tenham deixado de fora alguns valores indiscutíveis do futebol português que apenas não foram escolhidos por atritos com o seleccionador, bem como alguns jovens promissores que, pelo menos, se encontravam em excelentes condições físicas e poderiam garantir uma presença de 90 minutos em cada jogo sem incidentes físicos. A estes preferiu o seleccionador jogadores em fim de carreira, em baixo de forma técnica e em estado físico deficiente.

As consequências destas escolhas desastradas, prepotentemente feitas pelo seleccionador, com o compadrio dos seus apaniguados ou sob a orientação dos seus tutores, estão à vista: ainda a prova não tinha começado e já havia vários jogadores no “estaleiro”, número que se foi ampliando mal soou o apito inicial do árbitro e se consolidou à medida que o jogo decorria e as duas partidas subsequentes se iniciavam.

Mas se sobre a composição da selecção nada havia a fazer depois comunicada à FIFA o mágico número de 23 participantes, já o mesmo se não poderá dizer daquilo que foi o erro fatal que desde o início acompanhou esta selecção: o mais completo desprezo pelo sagrado princípio de que o futebol é um desporto colectivo. A loucura posta à volta do nome e da figura de Cristiano Ronaldo por uma comunicação social completamente acéfala e irresponsável e a aceitação no seio da selecção desse estúpido endeusamento acabaram por ser fatais para a equipa portuguesa.

Aliás, entre a “loucura” da comunicação social e o “endeusamento” no interior da selecção da figura de Cristiano Ronaldo existe uma relação muito mais íntima do que se possa supor. O endeusamento de Cristiano Ronaldo no seio da selecção é feito por todos aqueles que carecem do seu apoio para lá continuarem e que serão certamente os primeiros a criticá-lo, quando, por força das leias da vida, deixarem de ser convocados. Mas esse endeusamento é igualmente promovido no interior da selecção pelo seu empresário como forma de manter sobre ela e sobre as estruturas da Federação o domínio e a influência que toda a gente que conhece os meandros do futebol sabe existir.

Por outro lado, Cristiano Ronaldo na sua idolatria ególatra aceita tudo isso como a coisa mais natural deste mundo e deleita-se de prazer e vaidade pela vassalagem prestada sem sequer se dar conta de que ela tem um reverso que o prejudica seriamente e o remete, como já está a acontecer, para o lugar dos simples mortais que jogam futebol igual a tantos outros…mas diferente, muito diferente, dos melhores!

De facto, esta loucura à volta de Cristiano Ronaldo e a completa secundarização da equipa como entidade autónoma, colectiva, independente no seu ser daqueles que a constituem, foi fatal para o desempenho da selecção portuguesa e há-de também, historicamente, ser fatal para Cristiano Ronaldo.

Foi fatal para a selecção portuguesa, porque o futebol é um desporto colectivo onde as individualidades podem, ocasionalmente, fazer a diferença sem que porém o colectivo alguma vez deixe de ser o essencial e o individual o secundário. Quando as prioridades e os valores se invertem, o resultado certo e seguro é a derrota. E foi isso o que aconteceu. Portugal foi eliminado na fase de grupos, apesar de objectivamente ter condições para passar à fase seguinte no grupo em que estava inserido.

E foi fatal para Cristiano Ronaldo, porque, mais tarde, quando se fizer a inventariação e a história dos grandes jogadores de futebol, dos cinco ou dez grandes nomes do futebol mundial, nunca Ronaldo figurará nessa lista em consequência do péssimo desempenho que sempre teve na grande montra do futebol mundial. Em três participações em fases finais passou sempre ao lado, nada tendo feito que particularmente o distinguisse pela positiva. E logo outros lembrarão que, com excepção de alguns lampejos no Real Madrid, também nunca ele se exibiu em grande nível noutros grandes palcos, isto é, contra grandes adversários ou em grande jogos, como já aconteceu nas finais da Champions em que participou.

O futuro da selecção passa, portanto, pelo seu rejuvenescimento, pelo regresso aos valores do colectivismo e, se Cristiano Ronaldo nela quiser continuar, pela sua colocação no seu verdadeiro lugar, ou seja, um lugar exactamente igual ao dos seus colegas! Para isso será necessário mudar muita coisa na Federação – aliás, se os responsáveis pela selecção tivessem um mínimo de dignidade demitiam-se logo à chegada a Lisboa – e mudar também o seleccionador, escolhendo um profissional verdadeiramente independente que compreenda o que é a selecção nacional de futebol – que não é uma equipa de clube, nem uma equipa da Federação. É muito mais do que isso, pela afectividade e pelo entusiasmo que o seu desempenho suscita em milhões de portugueses!

A vitória tangencial de ontem contra o Gana revelou novamente um Cristiano Ronaldo incapaz de fazer a diferença, com perdas sucessivas de golos que a terem sido concretizadas poderiam, não obstante o triste espectáculo que esta selecção nos tem dado, ter garantido a passagem à fase seguinte.

Cristiano Ronaldo fez 23 remates no Mundial e marcou um golo. Participou em três fases finais e apenas marcou um golo em cada uma delas. São recordes lamentáveis que espelham bem, infelizmente, o que normalmente acontece a uma equipa que esquece o princípio fundamental do futebol – um jogo colectivo!

quinta-feira, 19 de junho de 2014

AS DERROTAS DE ESPANHA E DE PORTUGAL NO MUNDIAL DE FUTEBOL


 

DOIS RESULTADOS QUASE IDÊNTICOS DUAS ATITUDES COMPLETAMENTE DIFERENTES

No segundo dia da primeira jornada da fase de grupos do Mundial de Futebol de 2014 a Espanha foi cilindrada por uma notável Holanda por um expressivo 5-1, algo que não acontecia à “Roja” há muitas décadas.

O orgulho espanhol, campeão do mundo e bicampeão europeu, ficou profundamente ferido mais ainda numa época em que a Espanha corre o sério risco de se desagregar territorialmente e em que está simultaneamente sendo posta em causa a legitimidade das instituições decorrentes do processo de transição que marcou o fim do franquismo e o começo da democracia representativa de estilo ocidental.

Perante o descalabro da derrota para a qual contribuíram apenas parcialmente alguns erros técnicos dos seus jogadores, a selecção espanhola, jogadores, responsáveis técnicos e dirigentes, não buscaram encontrar em comportamentos alheios a justificação do acontecido, antes assumiram com dignidade e coragem a responsabilidade individual e colectiva da derrota, pedindo desculpa ao povo espanhol pela vergonha e tristeza por que o fizeram passar por aqueles noventa e tal minutos da Arena Fonte Nova de Salvador.

Dias mais tarde, a selecção portuguesa de futebol, depois de uma insuportável campanha de propaganda de quase 24 horas por dia a cargo dos media, principalmente dos canais de televisão, que não se cansavam de enaltecer os seus méritos e de endeusar Cristiano Ronaldo, foi positivamente ridicularizada naquele mesmo estádio por uma imponente Alemanha que a bateu por 4 a 0, apesar de ter jogado toda a segunda parte em jeito de passeio.

Contrariamente ao que se passou com a selecção espanhola, a derrota da selecção portuguesa não assentou apenas na indiscutível superioridade técnica e físico-táctica da equipa alemã, mas também no comportamento disciplinarmente indecoroso Pepe, nos repetidos erros individuais de Patrício e Alves, no vedetismo oco de Cristiano Ronaldo e na ausência de atitude de todo o conjunto, além obviamente das limitações estratégico-tácticas do seleccionador.

Perante um tal grau de responsabilidades nenhum jogador, nenhum responsável técnico, nenhum dirigente assumiu a responsabilidade pela derrota nem apresentou um pedido de desculpas ao povo português amante da selecção. Pelo contrário, o seleccionador manteve-se na sua obscura arrogância, refugiando-se num conceito de saber incontestável que não admite discussão, os dirigentes, principescamente pagos e rodeados de mordomias, eclipsaram-se e os jogadores, instrumentalizados ou não, tentaram ridiculamente atribuir ao árbitro a responsabilidade pelo que aconteceu, enquanto Cristiano Ronaldo, à semelhança do que fizera durante todo o jogo, ia tomando as devidas precauções para que a sua imagem física não saísse prejudicada do confronto.

Esta sobranceria, esta arrogância estúpida, feita de ignorância e desprezo, tem muito a ver com o modo como o futebol, principalmente o futebol da selecção, é entendido entre nós. O futebol, apesar de interessar a quase todos e de condicionar emocionalmente a vida de tanta gente, está excluído da democracia, como algo sobre o qual apenas os iniciados e os entendidos podem intervir, fundamentalmente para espalhar a palavra dos "sacerdotes supremos" inatacáveis e incriticáveis pelo seu imenso saber.

E, assim, uma legião de comentadores acéfalos e “situacionistas” vai não somente endeusando os artistas do jogo, qualquer que seja a sua real valia ou merecimento, e simultaneamente resguardando de qualquer crítica os tais “sacerdotes supremos” por maiores que sejam os seus erros. E aquilo que a todos parece óbvio pela evidência das respectivas manifestações, deixa de o ser em futebol porque outra é a decisão do seleccionador, que os tais comentadores acéfalos logo se encarregam de justificar do modo mais imbecil.

Como se explica que não haja qualquer alteração entre a equipa que alinhou no euro 2012 e da do Mundial deste ano? São os jogadores que constituem a equipe de uma categoria tão excepcional que nenhum outro nos dois anos que entretanto decorreram pode aspirar a integrá-la? E continuam a ser intocáveis qualquer que seja a sua forma? Ou o seu estado físico? Ou a época que fizeram nas respectivas equipas de clube?

E como se explica que jogadores de reconhecida classe nem sequer tenham sido convocados para fazer parte dos eleitos? E como se explica que em vinte e três convocados a selecção não tenha, em certos lugares, dois jogadores para a mesma posição? E como se explica que face ao primeiro esforço a sério, e que nem sequer foi nada de extraordinário dado o ritmo que a Alemanha “não impôs” na segunda parte, logo três dos convocados e utilizados tenham ficado inoperacionais para o resto do Mundial por lesões musculares? E como se explica que um jogador cadastrado com dezenas de expulsões, muitas delas por agressão, não tenha sido severamente avisado do que não poderia fazer? E como se explica que a equipa tenha chegado tão tardiamente ao Brasil e ainda por cima se tenha alojado numa zona geográfica que nada tem a ver, do ponto de vista climatérico, com os locais onde se iriam realizar os jogos da fase de grupos?

A tudo isto o seleccionador, os jogadores e os dirigentes têm de responder racionalmente e não com respostas imbecis como são normalmente aquelas que usam nas conferências de imprensa.