quinta-feira, 12 de novembro de 2020

 

O REGRESSO DE JORGE JESUS E O ACTUAL BENFICA




PODE O BENFICA CONTINUAR A JOGAR NO MESMO SISTEMA?

 

Jorge Jesus regressou ao Benfica cinco épocas depois de o ter deixado, aureolado com as espectaculares vitórias alcançadas no Flamengo, mas debaixo de uma chuva de críticas que, todavia, não foram suficientes para pôr em causa a continuidade de Luís Filipe Vieira como presidente do clube, reconduzido por mais quatro anos em eleições recentemente realizadas.

A maior parte das críticas ao regresso de Jorge Jesus nada tinham a ver com a sua competência técnico-táctica como treinador de futebol, mas com as questiúnculas havidas durante os primeiros tempos do sua entrada no Sporting que levaram muitos sócios e adeptos a sentirem-se ofendidos com as palavras de Jorge Jesus. Essas questões, no que a mim me respeita, não me afectam nada na apreciação do trabalho do treinador nem interferem com a opinião que posso ter sobre o seu regresso ao Benfica.

Somente quem tem fraca memória e não sabe interpretar os factos não perceberá que não foi Jorge Jesus que quis sair do Benfica, mas o Benfica que não quis continuar com Jorge Jesus. O treinador tendo percebido antes do final da época que não era o preferido para continuar, tratou da vida – de uma vida diferente da que o Benfica estava disposto a arranjar-lhe (um contrato no Qatar) – e firmou um contrato com o Sporting que todos, sem excepção, consideravam não ter dinheiro para contratar um treinador tão caro. Vieira que não queria continuar com Jesus, mas também não queria que ele fosse para o Porto nem para o Sporting, quando percebeu que estava iminente a sua contratação pelo Sporting tentou evitar, sem êxito, o seu ingresso no clube de Alvalade.

A partir desse momento, convinha ao presidente do Benfica dar a entender que foi Jesus que “fugiu” do Benfica, para assim poder amortecer o coro de críticas da maior parte dos adeptos, que não admitiam a sua ida para o outro lado da Segunda Circular e ao treinador agradava-lhe a ideia posta a circular de que foi ele que resolveu dar um novo e diferente rumo à sua vida desportiva.

Consumado o facto, Vieira estava empenhado em demonstrar que ganhava com qualquer um, dada a excelência das condições que o Benfica e a sua estrutura do futebol proporcionavam a quem lá estivesse como treinador e Jorge Jesus pretendia demonstrar exactamente o contrário: que quem ganhava era ele, no Benfica ou no Sporting.

Nesta luta de galos devidamente amplificada e travada com alguma virulência pelos acólitos de ambas as partes, quem ganhou foi Vieira e com ele o Benfica, que poderia ter ganhado muito mais se o seu presidente não tivesse tido a soberba arrogância de supor que dali para a frente seriam “favas contadas”, qualquer que fosse o plantel à disposição do treinador. Do ponto de vista de Jorge Jesus a derrota foi total. Após o primeiro ano de contrato, a sua passagem pelo Sporting foi penosa e humilhante, com episódios nunca vistos no futebol português, tendo acabado por se refugiar no lugar que recusara ocupar quando o Benfica lho ofereceu: treinador nas “Arábias”, lugar donde também teve que partir antes do tempo por razões ainda hoje não completamente esclarecidas.

Frustrada a hipótese do seu regresso ao Benfica, pelo excepcional desempenho da equipa de Bruno Lage quando tudo já parecia perdido, depois de esgotada a solução Rui Vitória, Jesus viu-se forçado a fazer novamente o que não gostava: emigrar para um lugar longínquo do futebol europeu. Só que desta vez, esse lugar, apesar de longínquo, é um lugar a que está permanentemente no foco do futebol mundial, não só porque tem milhares de jogadores espalhados pelos quatro cantos do mundo, desde as melhores equipas até às mais modestas, mas também porque tem uma selecção que de quatro em quatro anos luta sempre para vencer o título mundial, já alcançado por seis vezes.

Contratado pelo clube mais popular do Brasil – o Flamengo – Jesus fez história, ganhando tudo o que havia para ganhar com excepção da Copa do Brasil e do Campeonato Mundial de Clubes, em que foi vice-campeão. Mas não só ganhou tudo como revolucionou o futebol brasileiro e pôs a nu a escassa competência técnica dos seus  treinadores.

 E é na sequência destas vitórias e de nova crise do Benfica que, depois de liderar campeonato com sete pontos de vantagem e apenas três pontos cedidos à 19.ª jornada, perdeu nas quinze seguintes 22 pontos!

Contratado Jorge Jesus sem surpresa e sem oposição explícita, tal fora o descalabro da equipa na época anterior, a partir da 20.ª jornada, com a promessa de ter um plantel “europeu”, foram chegando ao Benfica: Helton Leite (guarda-redes brasileiro vindo do Boavista, não escolhido por Jesus), Gilberto (brasileiro, defesa direito, vindo do Fluminense, indicado por Jesus), Vertonghen (belga, ex-Totenham), Diogo Gonçalves (regressado do Famalicão), Ferreyra (regressado do Espanyol), Darwin Nuñez (uruguaio, vindo do Almeria), Waldschmit (alemão, vindo do Freiburg), Everton “Cebolinha” (brasileiro, vindo do Grémio de Porto Alegre, indicado por Jesus), Pedrinho (brasileiro, vindo do Corinthians). Depois de iniciada a época saiu Ruben Dias e entrou Otamendi (argentino, vindo do Manchester City) e também Todibo, (francês, defesa central, vindo do Barcelona com opção de compra).

Da época transacta transitaram: Vlachodimus, Sevilar, Grimaldo, André Almeida, Ferro, Jardel, Nuno Tavares, Samaris, Taarabt, Cervi, Gabriel, Weigl, Pizzi, Chiquinho, Seferovic, Rafa e Gonçalo Ramos (que subiu dos escalões inferiores).

A estreia de Jorge Jesus não poderia ter corrido pior: a terceira eliminatória da Liga dos Campeões, jogada numa única mão por causa da “pandemia”, contra os gregos do PAOK, treinados por Abel Ferreira, traduziu-se numa derrota por 2-1, que afastou o Benfica da competição milionária mais prestigiada do futebol mundial, sem possibilidade de sequer jogar o play-off, logo num ano em que as equipas apuradas não representam o que de melhor há no futebol europeu.

Esta derrota teve consequências muito negativas na época em curso, não apenas porque retirou o Benfica do acesso a receitas insubstituíveis e da possibilidade de com elas melhorar o plantel em zonas nevrálgicas, como, pelo contrário, obrigou o clube o clube a pôr no mercado o seu jogador mais valioso - Ruben Dias – criando um buraco no eixo defensivo dificilmente colmatável. A solução de recurso encontrada foi a de receber como “contrapeso” desta transferência um jogador para o mesmo lugar de que o City desejava ver-se livre.

Iniciadas as competições nacionais e internacionais alguns dias depois da derrota de Salónica, o Benfica somou, consecutivamente, cinco vitórias internas e duas na Liga Europa. Durante este ciclo de vitórias ocorreram as eleições, as mais concorridas de toda a era Vieira e de sempre, que reelegeram por margem mais competitiva (cerca de um terço, dois terços) o actual presidente que beneficiou do bom momento que a equipa atravessava, não obstante a “inapagável mancha” resultante da derrota na Grécia.

Jogando no seu sistema de jogo habitual – 4-4-2; 4-2-4 -, o Benfica, embora tendo ganho folgadamente em Famalicão (5-1), em Vila do Conde (3-0), jogado mais ou menos normalmente contra o Moreirense (2-0), o Belenenses (2-0) e o S. de Liège (3-0), experimentou dificuldades inesperadas contra o Farense (3-2) e contra o Poznan (4-2) na Polónia que deixavam antever uma fraca capacidade defensiva no seu todo, embora mais notória no sector defensivo, individualmente muito fragilizado pela lesão de André Almeida em Vila do Conde, pela ausência de Ruben Dias depois da segunda jornada e também pela lesão, muito menos grave, mas impeditiva, de Grimaldo.

A partir daí foi o descalabro, a equipa entrou em queda livre sofreu 9 golos em três jogos consecutivos, perdeu 2 jogos e empatou um – Boavista, no Bessa (0-3), Rangers, na Luz (3-3) e Braga, também na Luz (2-3).

Mantendo-se fiel ao seu habitual sistema de jogo, Jorge Jesus ainda não compreendeu que não tem plantel para continuar do mesmo modo. Se este sistema já tinha sido, nos jogos com as equipas grandes, o grande calcanhar de Aquiles do Benfica nas primeiras seis épocas de Jesus, principalmente nos anos em que não reunia um plantel de luxo, esta época com um plantel apenas valioso no ataque, com uma linha defensiva individualmente fraca e lenta, uma linha média que verdadeiramente não tem um seis nem um oito, capazes de jogar box to box, embora um mais perto da cabeça da área a maior parte do tempo, com alas com pouca apetência defensiva e muitas vezes sem capacidade ofensiva para resolverem os jogos, o Benfica tornou-se presa fácil das bem orientadas equipas adversárias, que, aproveitando as quase nulas capacidades do Benfica nas transições defensivas, penetram na área e entre as linhas do Benfica como faca em manteiga quente.

Como não vai ser possível reformular todo o plantel, nem contratar em Janeiro, no mínimo, um central competente e dois médios que façam a diferença, o Benfica, se não quer que lhe aconteça o mesmo que aconteceu o ano passado a partir da 20.ª jornada, vai ter de mudar de sistema de jogo muito rapidamente, tornando-se mais forte no meio campo e protegendo melhor os corredores laterais.

As contratações dos vários jogadores que chegaram esta época só não são um “flop” completo, porque há jogadores que continuam a mostrar o seu real valor, não obstante as fragilidades colectivas da equipa, como é o caso de Darwin Nuñez e Waldschmit, dois excelentes jogadores em qualquer parte do mundo. Pedrinho, a jogar sempre fora do seu lugar natural, tem potencialidades para crescer se lhe for dada mais liberdade e jogar preferencialmente nas zonas centrais do ataque. Vertonghen também tem provado, não sendo de sua responsabilidade os desacertos defensivos da equipa. Enquanto jogou ao lado de Ruben Dias jogou bem. Já os demais deixam muito a desejar e nem sequer é expectável, do meu ponto de vista, que venham a melhorar.  Gilberto é o que é. Aquilo e nada mais. Distante de poder substituir um jogador como André Almeida. Otamendi, que nunca apreciámos, é um completo desastre. Foi um desastre contra o Farense, contra o Boavista, contra o Rangers foi logo expulso aos 19 minutos numa jogada que deixou a nu as suas limitações como central e contra o Braga teve uma exibição inqualificável, tendo estado nos três golos dos bracarenses em jogadas inadmissíveis mesmo na divisão inferior. Everton (Cebolinha) que chegou incensado em grande craque, está muito longe de confirmar os atributos que o recomendavam. E como de jogo para jogo vai jogando cada vez menos, diz-nos a experiência que num jogador com aquelas características físicas e anímicas (nos últimos jogos já entrou derrotado em campo e sem alegria) não é de esperar uma reviravolta que o catapulte para um nível compatível com o seu custo (talvez não fosse má ideia, se continuar assim até Janeiro, começar a pensar em negociá-lo no Brasil como moeda de troca por jogadores brasileiros que dêem mais garantias). Dentre os que continuaram apenas Seferovic tem estado ao seu melhor nível sempre que é chamado. Os restantes têm as virtudes e as limitações que se conhecem- Pizzi não defende, nem sabe defender; Taarabt também não e quando tenta faz falta, quebra por vezes o ritmo de jogo, ficando com a bola tempo de mais, mas, de tempos a tempos, lá vai fazendo um passe fenomenal. É pouco. Samaris e Weigl defendem melhor do que constroem e não dão progressão ao jogo. Gabriel faz um grande esforço para acertar os passes longos, tenta defender, mas igualmente se nota que é um pouco um peixe fora de água. Gosta de construir, pode desarmar quando passam por ele, mas deixa muito a desejar em matéria de ocupação de espaços. Cervi e Chiquinho pouco jogam e talvez merecessem mais, principalmente Cervi. Nuno Tavares começou bem, mas tem vindo a descer em ambos os aspectos: tanto a atacar como a defender. Se não tiver auxílio por parte de quem esteja daquele lado do terreno será um problema para a equipa. Gonçalo Ramos ainda não teve possibilidade de se mostrar e seria lamentável pô-lo a jogar quando o resultado já não é recuperável, como aconteceu contra o Boavista. Finalmente, Rafa e Grimaldo. Rafa está em grande forma. Se tivesse um pouco mais de discernimento no último passe e soubesse rematar cruzado (quase nenhum jogador português sabe) seria um jogador excepcional. Mesmo assim é insubstituível. Grimaldo tem um pé esquerdo que faz obras-primas. Não é, nunca foi, um primor a defender, mas é o jogador que melhor sabe interpretar e finalizar as transições ofensivas. Indiscutível na equipa do Benfica, porventura noutro lugar.

Para finalizar: Jorge Jesus tem de jogar noutro sistema. Se o não fizer é porque não aprende com os erros. Se os jogadores não são capazes de interpretar e actuar o sistema do treinador, terá de ser o trinador a pôr em campo um sistema em consonância com as características dos jogadores. Isto é um assunto que nem vale a pena discutir. E Jorge Jesus somente tem que escolher entre aumentar as possibilidades de ganhar ou reforçar as hipóteses de perder. Simples, portanto.

Jorge Jesus tem de adoptar um sistema de jogo que potencie as capacidades dos seus atletas, perfilhando um sistema que privilegie as suas ompetências e diminua ou atenue as suas insuficiências. Isso passa por um maior povoamento do meio campo na zona central e por um maior resguardo das faixas laterais, deixando na frente um trio muito móvel que possa na maior parte dos lances de ataque ser numericamente reforçado pelos alas e por uma subida de, pelo menos, um médio.

Tanto o 4-3-3 como o 3-4-3 servem aqueles objectivos. É uma questão de treino e de escolha dos jogadores certos para os interpretar, que não serão os mesmos num e noutro caso.

Com 4-3-3 terá de manter os actuais laterais com Tavares à esquerda, no centro da defesa Otamendi tem de ser substituído por qualquer um dos actuais centrais do plantel ao qual se juntará Vertonghen, deixando o meio campo entregue a Pizzi (ou Taarabt), a Gabriel, Weigl (ou Samaris) e Grimaldo, privilegiando a sua intervenção nos lances atacantes sem deixar de cuidar da defesa na ajuda a Tavares; na frente Rafa, Darwin e Waldschmit.

Se optar pelo 3-4-3 terá de colocar três centrais Todibo (ou Ferro ou Samaris), Jardel e Vertonghen; no meio campo Diogo Gonçalves, Gabriel (ou Pizzi), Weigl e Grimaldo; na frente, Rafa, Darwin e Waldschmit.

Na frente, Seferovic poderá sempre entrar, dependo do jogo e do modo em que esteja a decorrer; Cervi deveria também ter mais tempo, quer substituindo Grimaldo num dos sistemas ou Rafa, noutro. Chiquinho tenderia a substituir Taarabt ou Pizzi, mais excepcionalmente Waldschmit. Pedrinho também terá sempre possibilidade de entrar e Everton igualmente, dependendo da sua evolução, se cá ficar, bem como Gonçalo Ramos.

Continuando como até aqui, o Benfica vai continuar a perder o que deveria ganhar!