O QUE SE PASSA COM AS INVESTIGAÇÕES?
É de facto espantoso que num Estado de Direito uma pessoa,
seja ela singular ou colectiva, e, neste caso, pública ou privada, e, sendo
privada, de utilidade pública ou não, seja assaltada e todos os dias na
comunicação social ou na redes sociais seja exibido o produto desses assaltos,
em manifesto proveito de quem o exibe.
Como inacreditável é que num Estado de Direito, factos que
constam de processos em segredo de justiça, estejam elas a cargo da Polícia
Judiciária ou do Ministério Público, sejam colocados na praça pública seja por
intermédio da comunicação social, seja por intermédio das redes sociais, sempre
que a divulgação desses factos serve ou pode servir a estratégia dos
investigadores ou acusadores e prejudicar os investigados ou acusados.
E é espantoso que uma e outra coisa aconteçam porque nem uma
nem outra poderiam acontecer sem a passividade, a conivência ou até a
colaboração das autoridades. Das autoridades que têm a seu cargo prevenir e
reprimir a prática de crimes ou das autoridades que têm à sua guarda o que não
pode ser divulgado.
Mais recentemente, atingiu-se um novo patamar: uma conversa
telefónica entre duas pessoas, relativa à eventual realização de um negócio, é
colocada nas redes sociais, por via de uma gravação que, aparentemente, não
terá sido feita por nenhum dos interlocutores e, aparentemente, também não
constará de nenhum processo. Daí a pergunta: como se explica que isto tenha
acontecido?
Pois bem, tudo isto que aqui está genericamente descrito se
passou, concretamente, com o Benfica.
O correio electrónico do Benfica foi assaltado e o produto
desse assalto passou a ser publicamente exibido por um clube rival, em proveito
próprio. Aqui não há nenhum mistério e as suspeitas são óbvias: o clube rival não
pode deixar de ser considerado suspeito de ter perpetrado o assalto, ou de o
ter encomendado (o que juridicamente é uma situação idêntica à anterior); ou de
ser o receptador do produto roubado.
Em qualquer outra situação semelhante a esta não há, nem pode
haver, nenhuma dúvida de que as autoridades actuariam imediatamente sobre os
suspeitos, qualquer que fosse a natureza dos bens roubados, materiais ou imateriais.
Daí a óbvia pergunta: por que razão nada se fez não obstante as insistente queixas
do roubado? Sim, porquê? Esta resposta não pode deixar de ser dada e o Benfica
e os benfiquistas não podem deixar de a pôr insistentemente, seja perante as
autoridades, seja perante a comunicação social. Mas a situação agrava-se ainda mais
e assume contornos dificilmente inimagináveis, mesmo na ficção policial, se se
disser que as autoridades não só não reprimiram o crime como se aproveitaram do
seu produto para investigar a vítima!
Vou dar um exemplo para que se compreenda e fique para a posteridade
o que se passou. Imaginemos que o Pingo Doce tinha sido assaltado e que os produtos
roubados eram diariamente postos à venda numa barraca de feira situada
relativamente perto do supermercado assaltado. As autoridades, apesar das insistentes
queixas do lesado, entendiam que nada poderiam fazer por o dono da barraca
estar a actuar ao abrigo da liberdade de comércio. Porém, perante a insistência
do lesado, resolveram as autoridades inspeccionar o material roubado que estava
sendo vendido na feira, tendo então constatado qua alguns produtos estavam fora
do prazo de validade. E o que fizeram as autoridades perante tal situação? Retiraram
os produtos do mercado? NÃO! Instauraram um processo ao Pingo Doce por produtos
com a sua marca estarem a ser vendidos numa barraca de feira fora de prazo!
Foi isto sem tirar nem pôr o que as autoridades fizeram ao
Benfica.
Perante semelhante absurdo é perfeitamente natural que um ou
mais benfiquistas situados no âmbito das investigações tenham por amor clubístico
fornecido a alguém do Benfica informações sobre a marcha daquele processo. Era
seguramente, no espírito de quem o fez, a forma de compensar a tremenda
injustiça de que o Benfica tinha sido vítima por inacção, ou pior do que isso,
das autoridades. Actuaram estes benfiquistas legalmente? Certamente não, embora
o seu comportamento não possa deixar de ser compreendido à luz do
circunstancialismo em que actuaram.
E vamos admitir que alguém do Benfica teve conhecimento
dessas informações. O conhecimento de uma informação é algo que não pode ser
apagado. Já o recebimento de um produto roubado, contra a vontade ou sem a
vontade de quem o recebe, pode ser revertido, entregando o produto ao seu dono
ou às autoridades. Uma informação…não. Não pode deixar de ficar com quem a
recebe, mesmo que não solicitada.
De qualquer modo, o conhecimento de uma informação sobre a
marcha de um processo e a subsequente actuação de quem a recebeu em consonância
com o seu conteúdo, que influência pode ter sobre a chamada “verdade desportiva”?
Que é que isso tem a ver com a verdade desportiva ou a adulteração de resultados
desportivos? Só uma mente doente, perigosamente ferida de facciosismo clubístico,
pode fazer tal associação. Por esse lado podem os benfiquistas ficar
descansados.
Ontem, o presidente do SL Benfica, em entrevista a um canal
de televisão, esteve bem em tudo quanto respeita à gestão do clube, à sua
estratégia empresarial e desportiva, mas já o mesmo se não poderá dizer no que
respeita aos famosos processos que envolvem o Benfica. Neste campo deveria ter sido
mais incisivo. Ter sido capaz por meio de comparações e de outras demonstrações
de deixar claro quão absurdas são a maior parte das insinuações que diariamente
fustigam o Benfica.
Deveria ter sublinhado muito mais enfaticamente o roubo de
que o Benfica foi vítima, a passividade das autoridades perante o crime
organizado no desporto e deveria também ter deixado no ar elementos suficientes
para se demonstrar que o que está sendo feito ao Benfica não tem qualquer
comparação com o que se passa relativamente a outros clubes.
Alguém quer saber que pessoas são convidadas pelos presidentes
do Porto ou do Sporting para assistir aos jogos nas respectivas tribunas presidenciais?
Alguém quer saber em que fases se encontram processos que envolve gente do
Porto e do Sporting? Processos relativos a acções que visavam directamente a
adulteração de resultados desportivos ou o constrangimento de árbitros mediante
ameaças de agressões físicas.
E mais grave que tudo é a inacção das autoridades relativamente
ao assalto de que o Benfica foi vítima que tem levado a que seja o próprio
lesado a fazer e a pagar as investigações com vista à descoberta da verdade que
caberia às autoridades realizar. Daí, novamente a pergunta: por que não agem as
autoridades como a lei lhes impõe e a moral reclama? Esta uma questão que não
pode deixar de ser respondida e que os benfiquistas não podem deixar de formular
a todo o momento!