Para começar é bom que se diga sem metáforas nem
circunlóquios que a selecção portuguesa está a fazer,em França, um mau Euro 2016, frustrando as expectativas de milhões de adeptos que acreditaram num
comportamento bem diferente daquele que desde o primeiro jogo tem existido.
Portugal tem em risco a participação na fase seguinte da prova se não ganhar o
jogo de amanhã. E nada, absolutamente nada, deixa antever que o resultado
contra a Hungria tenha que ser diferente dos dois resultados anteriores.
Há jogadores em baixo rendimento, há manifesta incapacidade
de pôr em prática um modelo de jogo razoavelmente eficiente e há um
seleccionador sem ideias ou, se as tem, sem independência e autonomia
suficientes para as pôr em prática.
Carlos Daniel, porventura o comentador desportivo mais bem
preparado em Portugal, tem defendido a tese de que o seleccionador
deve manter a ideia que trabalhou durante os anos que está à frente da selecção
a qual acabará por produzir os resultados esperados. E na execução dessa ideia
deve manter a jogar os jogadores em que acredita e que melhor a sabem pôr em
prática, que são, como é óbvio, aqueles que têm jogado.
Carlos Daniel, como acredita que o futebol é uma ciência que obedece a critérios estritamente racionais, esquece ou não entra em consideração com o
facto de o futebol ser um jogo, logo aleatório, no desenlace do qual intervêm
múltiplos factores além dos racionais. Desde logo o factor sorte e depois a
atitude, melhor dizendo, o estado de alma dos jogadores que pode mudar muito de
um jogo para outro. Além disso há factores de confiança, de camaradagem, de
companheirismo, de espírito de equipa que são igualmente importantes, se não
mesmo decisivos, para o resultado final, além evidentemente da valia do adversário nas suas múltiplas vertentes.
Carlos Daniel, tal como Jesus, acredita que os jogadores
podem ser transformados em simples autómatos de uma ideia de jogo. O facto de
um ser muito mais alfabetizado que outro não impede que estejam irmanados na
conclusão de que uma correcta interpretação da “ideia de jogo” leva
necessariamente ao resultado esperado. Tanto para um como para outro o factor
individual conta pouco, seja pela positiva, seja pela negativa e todavia que
seria do futebol se por ele não tivessem passado Si Stefano, Puskas, Pelé, Garrincha,
Eusébio, Cruyff, Maradona, Zidane e Messi entre tantos outros. Se bem repararem,
nunca – mas mesmo nunca – nas suas esquemáticas análises técnico-tácticas dos jogos
entra o talento individual do jogador. Pelo contrário, sempre que faz referência
à acção individual é para a desmerecer, numa criteriosa escolha do que corre
mal.
Enfim, ao recusar-se a comentar e a criticar a prestação de
alguns jogadores da selecção portuguesa e a incapacidade (seja técnica, seja de
outra ordem) do seleccionador para reconhecer e corrigir essas incapacidades,
Carlos Daniel presta um mau serviço à selecção e a todos quanto desejavam
um outro desfecho para as cores portuguesas.
Antes de mais, a análise do comportamento da selecção portuguesa
(não apenas a deste Euro 2016, mas também das anteriores mais recentes) passa obviamente
por Ronaldo. Não pode deixar de passar. Pela sua prestação, pela análise das suas prestações na selecção, pelo seu protagonismo, pelo
seu comportamento enquanto elemento do grupo, pela sua influência no seleccionador
e na Federação bem como de todos os (grandes) interesses que o rodeiam.
Como a prestação de Ronaldo tem sido muito fraca, embora não
muito diferente da que tem tido em fases finais de Europeus e Mundiais anteriores, mais concretamente desde o
Mundial da África do Sul (2010), não falta quem aproveite ocasião proporcionado
por mais este falhanço para um ataque demolidor ao seu carácter e à sua
personalidade, como fez John Carlin, em El Pais de 19 de Junho (ver tradução).
Mas não é necessário, nem decente, chegar tão longe. Um dia, já muito distante dos tempos de glória da grande equipa do Real Madrid dos anos 50, princípios de 60 do século passado, perguntaram a Di Stefano o que tinha a comentar sobre a personalidade de Puskas, como pessoa, de quem se dizia “cobras e lagartos”. O grande jogador do futebol de todos os tempos foi muito claro. Afirmou que não tinha relações com Puskas fora do campo e, portanto, não se podia pronunciar sobre o que diziam dele. Mas conhecia-o muito bem dentro do campo. Era um jogador brilhante como poucos, inteligente, generoso, altruísta, companheiro, um verdadeiro jogador de equipa. Era essa a imagem que tinha dele. A imagem que construiu a partir do que viveu e sentiu dentro do campo como seu colega de equipa.
Mas não é necessário, nem decente, chegar tão longe. Um dia, já muito distante dos tempos de glória da grande equipa do Real Madrid dos anos 50, princípios de 60 do século passado, perguntaram a Di Stefano o que tinha a comentar sobre a personalidade de Puskas, como pessoa, de quem se dizia “cobras e lagartos”. O grande jogador do futebol de todos os tempos foi muito claro. Afirmou que não tinha relações com Puskas fora do campo e, portanto, não se podia pronunciar sobre o que diziam dele. Mas conhecia-o muito bem dentro do campo. Era um jogador brilhante como poucos, inteligente, generoso, altruísta, companheiro, um verdadeiro jogador de equipa. Era essa a imagem que tinha dele. A imagem que construiu a partir do que viveu e sentiu dentro do campo como seu colega de equipa.
É sobre Ronaldo dentro do campo, como elemento de uma equipa,
que as críticas, positivas e negativas, devem ser feitas. É evidente para toda
a gente que Ronaldo é um super atleta, para o qual a ideia da superação dos
seus próprios limites está permanentemente presente. Mas é também óbvio que
Ronaldo não é um virtuoso do futebol, não tem a magia dos grandes artistas, nem
sequer a inteligência de quem sabe pensar o futebol como um jogo eminentemente
colectivo. Durante anos e anos nunca Ronaldo festejou os golos da equipa por
que alinhava se não fossem marcados por si. Nunca, durante anos, se viu Ronaldo
em campo agradecido a um colega por lhe ter feito um passe de golo ou aplaudir uma jogada
magistral de um companheiro de equipa. Vê-se Ronaldo na televisão e percebe-se
que ele passa parte do seu tempo mais preocupado com as câmaras, com a imagem que
dele transmitem, do que com a sua equipa. Tudo gira à volta de seu enorme EGO, diariamente alimentado por uma enorme falange de aduladores.
Por força dos recordes individuais que bateu, dos títulos
individuais que conquistou, Ronaldo (e o seu entorno….) adquiriu no seio da
selecção um poder que nunca outro jogador teve. Há a convicção generalizada
que o seleccionador não tem qualquer poder de direcção táctica, e muito menos
técnica, sobre Ronaldo. Todos os treinadores, depois da sua saída do Manchester,
que tentaram interferir no modo de jogar de Ronaldo e sobre o seu
posicionamento relativamente à equipa foram mal sucedidos (Mourinho, Carlos
Queiroz, Paulo Bento, Benitez). O mesmo se diga dos jogadores que tentaram,
mesmo que discretamente, lutar contra o seu excesso de protagonismo.
Com Fernando Santos tudo isto é mais evidente do que
com qualquer outro treinador. Fernando Santos não tem qualquer poder de
direcção sobre Ronaldo. Nem sobre Ronaldo nem para contrariar o que
eventualmente possa não agradar a Ronaldo. A subserviência de alguns, bastantes,
jogadores relativamente a Ronaldo é lamentável. O santo e a senha para entrar
no lote dos amigos de Ronaldo é não apenas elogiá-lo acriticamente, mas afirmar
peremptoriamente que ele é o melhor jogador do mundo. É quase certo que não tem
lugar como titular nenhum jogador, por mais brilhante que seja, que não tenha afirmado
que “Ronaldo é o melhor do mundo”. E se algum tiver a ousadia de deixar algum juízo objetivo que
não agrade ao craque português, logo o clã Aveiro e Jorge Mendes se encarregarão
de o anatemizar.
Fernando Santos exibe perante os jornalistas uma arrogância
como treinador da selecção que nunca teve como treinador de clube. Quanto mais
se deixa enredar pela “ronaldodependência” mais afirmativo se torna relativamente
objectivos e metas que não tem qualquer hipótese de alcançar. É um fenómeno de
compensação bem conhecido…mas nem por isso deixa de ser um pouco ridículo.
Quanto à selecção, é certo que o segundo jogo foi
aparentemente mais bem conseguido que o primeiro, embora com a mesma ineficácia
e completa ausência de criatividade no meio-campo ofensivo. Quanto a Ronaldo
não há que estranhar, com excepção do penalty
falhado, ele precisa sempre de fazer muitos remates para marcar um golo. Já
o mesmo se não deverá dizer dos restantes jogadores que igualmente
desperdiçaram várias oportunidades. Grandes equipas são as que aproveitam as
oportunidades que surgem e não as que apenas as criam. Não é com oportunidades criadas
que se ganham jogos. É com golos!
William esteve melhor do que Danilo. Sem ter sido criativo –
isso, ele nunca é – esteve mais presente no jogo, adiantou-se mais no terreno e
não falhou passes. Teve a seu favor não ter de defrontar avançados tão poderosos
como os que Danilo encontrou pela frente no primeiro jogo e também o
posicionamento ofensivo da equipa da Áustria que lhe concedeu mais liberdade para se adiantar. João
Moutinho, ridiculamente considerado o “homem do jogo” pela UEFA, mais uma vez
esteve mal. Mal no sentido de não dado nenhum contributo positivo à equipa: um
passe, um rompimento das linhas adversárias, uma presença na área. Nada. Não se
compreende por que razão continua a jogar como titular. Ninguém que perceba um mínimo
de futebol compreende esta insistência em Moutinho!
João Mário continua ausente. Incompreensivelmente ausente.
André Gomes, mais uma vez, o melhor da linha média. Na frente, ficou provado
que só podem jogar dois, embora a dúvida seja quem deverão ser esses dois. De
Ronaldo não há que esperar muito mais. Com excepção dos jogos de “play-off”
contra aa Suécia, para o apuramento do Mundial do Brasil, nunca Ronaldo foi uma
figura absolutamente decisiva nos jogos da selecção. É certo que em 127 jogos
marcou golos, tem o record absoluto de golos na selecção, mas está muito longe
de ter o record em termos relativos. Sendo certo que no jogo de amanhã Ronaldo
vai jogar qualquer que seja a forma em que se encontre, Quaresma deverá sair entrando porventura Rafa para o lugar de João
Mário. Quanto ao resto não é de crer que haja mudanças.
Fica-se, porém, com a impressão de que se trata de um simples
remendo. De facto, a ausência de um verdadeiro ponta de lança, a recusa em
fazer alinhar um “oito” ofensivo, a fraca forma física de Ronaldo condicionam a
estrutura da equipa e a sua movimentação em campo. Nada nos permite, portanto, esperar grandes diferenças.
Renato Sanches não jogará certamente. Entre outras razões por
que nunca disse que “Ronaldo é o melhor jogador do mundo!”. Faz bem Renato em
não dobrar a espinha. O futuro será seu. Na selecção e fora dela. Oxalá nunca
perca a cabeça nem se deixe jamais apanhar pelo vedetismo…