MAIS UMA FALSA VIRGEM
À medida que o tempo passa a gente vai-se convencendo que só vale
mesmo a pena ler o que nos possa enriquecer, seja na política, na literatura,
nas artes e também no futebol.
No futebol, então, é uma pura perda de tempo ouvir, ler ou ver quem nada nos possa trazer de novo. Para ouvir a repetição sistemática de
velhos lugares comuns ou mentiras de pouco nível, sejam elas ditadas pelo ardor
clubístico ou pela falta de carácter, mais vale fazer qualquer outra coisa mais
proveitosa. Essa a razão por que jamais leio as pobres croniquetas que alguns
jornais desportivos recolhem de comentadores sem nível, mas que por razões
desconhecidas se tornaram conhecidos pelo tempo que as nossas pobres televisões
lhes prodigalizam.
Acontece que ontem – dia muito triste para quem realmente
gosta de futebol – comprei um jornal desportivo que trazia uma dessas
croniquetas assinada por Marques Lopes. Sei que é um fulano que fala num
programa de TV pretensamente satírico, mas que os seus participantes levam
muito a sério, onde se dizem umas banalidades notívagas sobre a política
nacional.
Era fácil prever pelo título que se trataria de um artiguelho
contra o Benfica. Por curiosidade li-o e devo confessar que fiquei espantado.
Como é possível que um adepto de um clube que cometeu tudo o
que de mais reprovável possa haver em futebol tenha a ousadia de vir lançar as
mais soezes calúnias sobre um clube sério e democrático, obviamente alicerçadas
em factos falsos, deturpados ou dolosamente alterados?
Como é possível que um adepto de um clube que durante trinta
anos fez do futebol português uma grande batota se atreva a salpicar de lama um
clube sério e honesto?
Comecemos pelo princípio: no princípio foi a “luta heroica”
para ter na presidência da Comissão de Arbitragem e nos respectivos Conselhos
de Disciplina e de Jurisdição pessoas que aberta, declarada e vergonhosamente
defendessem os interesses desse clube como se o lugar que ocupavam mais não
fosse do que uma simples extensão do clube a que pertenciam. E assim se
conseguiram as primeiras vitórias, vitórias que jamais teriam acontecido sem a
batota que as permitiu.
Enumeremos a título de exemplo algumas situações mais correntes.
Havia árbitros escandalosamente parciais, árbitros que
chegaram durante uma época a marcar mais penalties
e livres directos `entrada da área a favor dessa equipa do que golos por ela marcados em jogadas
corridas. Épocas em que o vencedor da “bola de prata” dessa equipa marcou mais
golos de penalty do que de qualquer
outro modo. Épocas em que o guarda-redes dessa equipa tinha “autorização” para
defender com a mão fora da área sem que nada – nada! – lhe acontecesse. Épocas
a fio em que os centrais dessa equipa substituíam os juízes de linha nas
marcações dos fora de jogo (“levantavam a mão e o liner assinalava off side”,
vide depoimento de J. Toschack). Épocas em que os defesas dessa equipa tinham
autorização para agredir os avançados da equipa adversária sem que nenhuma
expulsão ocorresse nem sequer admoestação na maior parte dos casos. Épocas em
que os jogadores dessa equipa nunca viam o segundo amarelo por mais faltas que
cometessem e qualquer que fosse a sua gravidade, como, por exemplo, Jorge Costa
e Fernando Couto, entre muitos outros. Épocas em que essa equipa marcou golos
na sequência de centros realizados com a bola fora do campo. Épocas em que
qualquer contacto, verdadeiro ou simulado, existente na área da equipa
adversária era sistematicamente punido com grande penalidade.
Foram as gloriosas épocas dos “Quinhentinhos”(ler “Golpe
de Estádio”) e depois do “Apito Dourado”
(ouvir as escutas).
Numa primeira fase essas famosas vitórias alcançaram-se não
apenas pela via da arbitragem mas também pelo silenciamento do que se passava
nos jogos em que essa equipa intervinha. Esse silêncio foi conseguido à custa
da substituição forçada, imposta frequentemente pelo terror, de qualquer
jornalista que relatasse os factos ocorridos, imediatamente taxado de “sulista”
ou de “mouro”, epítomes que funcionavam como sinónimo de alvo a abater, e
abriam a porta à sua substituição por jornalistas completamente domesticados ou
tão fanaticamente adeptos quanto os seus mandantes. Por via também da covardia
das direcções dos jornais e de outros órgãos de comunicação, qualquer
resistência ou denúncia deste estado de coisas era silenciada pela agressão
física, fosse o jornalista do norte, do centro ou do sul, num combate sem
tréguas à liberdade de informação e à independência do jornalismo. Dentro da
lógica de quem mandava importante era saber se o jornalista era independente ou
não. Se fosse tinha de levar o correctivo necessário para deixar de o ser…pelo
menos nos territórios dessa equipa.
A “persuasão” era tanta e tal era sua intensidade que até
conhecidas personalidades da área política ou empresarial, que viviam ou trabalhavam
nos “territórios” dessa equipa, que antes eram Benfica tiveram de deixar de o
ser para “tratarem da vidinha”, passando do dia para a noite a fervorosos
adeptos da equipa das “grandes vitórias”!
Essa mesma política estendia-se às equipas adversárias mais
pequenas que, quando prejudicadas – e isso acontecia sempre que necessário -,
se falassem, seriam imediatamente penalizadas. Daí que essas equipas, quase sem
excepção, tivessem adotado a técnica do silencio – uma espécie de “omerta à
siciliana – por rapidamente terem compreendido que quanto mais falassem mais
prejudicadas seriam. Ficou célebre, depois de um jogo em que tudo aconteceu, a
ponto de até o juiz de linha ter passado uma bola ao extremo dessa equipa que
assim iniciou um contra-ataque prometedor e em que no fim houve grande confusão
entre jogadores e adeptos de ambas as equipas, confusão que se prolongou no
próprio hospital onde os feridos estavam a ser tratados, ficou célebre,
dizíamos, o “ordálio” lançado publicamente, contra o presidente que teve a
ousadia de se insurgir contra as vergonhas que tinham acontecido no campo e
fora dele, pelo presidente da equipa das “grandes vitórias”: “Ireis para a
segunda divisão e nunca mais de lá saireis, a não ser mais para baixo!”. E de
facto, essa equipa por lá ficou várias décadas até que um empreiteiro de
construção civil de “confiança” oriundo dos territórios da equipa das “grandes
vitórias” a tivesse de novo trazido à primeira divisão…Quem falasse, quem
denunciasse não teria jogadores emprestados, teria contra si a animosidade dos
árbitros e o desdém dos silenciados!
Foi assim que o poder se conquistou. Pela força, pela
violência, pela ameaça.
Depois, à medida que as principais equipas adversárias se
foram naturalmente enfraquecendo – a ponto de terem passado por um longuíssimo
“jejum” de títulos – e essa equipa se foi cada vez mais engrandecendo entrou-se
numa segunda via. Uma via que não
desprezava os métodos do passado sempre que necessário, mas que por força do
valor das equipas em confronto os tornava menos frequentes. Essa via assentava
na ideia de que o futebol, para essa equipa, teria de deixar de ser um jogo, de
sua natureza aleatório, para se tornar numa coisa certa!
A ideia era muito simples (nós somos os melhores) e
assentava na seguinte consequência (logo, não podemos perder… a não
ser quando isso já for completamente irrelevante).
Como o escândalo do futebol português começou a ser muito
falado lá fora, era necessário abandonar os velhos métodos, que agora já não
eram tão necessários como nos primeiros vinte anos e introduzir algo de novo,
algo que se assemelhasse à normalidade.
E então o esquema era o seguinte: Como a equipa era
claramente superior não precisava, em princípio, de favores. Todavia, para
prevenir surpresas seria conveniente que o árbitro estivesse sempre preparado
para desbloquear qualquer situação que não estivesse a fluir com a normalidade
esperada ou para impedir qualquer acaso que pusesse a equipa numa situação de
desvantagem ou, muito importante, para abortar qualquer tentativa de
renascimento das equipas rivais.
E é este estado de coisas que o escândalo do “Apito Dourado” reflecte. De facto, a maior parte das situações ocorre contra equipas pequenas, equipas manifestamente inferiores, mas que convinha
impedir que perturbassem o “bom funcionamento” da equipa favorita,
principalmente antes e depois dos jogos europeus. Esta via contudo nunca perdeu
de vista as influências directas nos jogos das equipas rivais, nomeadamente no
princípio da época, quer para as desmoralizar, quer para impedir algo que se
assemelhasse a um começo de consolidação do renascimento dessas equipas.
Essa a lógica do “Apito Dourado” cujas escutas tanto
escandalizaram o “impoluto” Rui Moreira, a ponto de ter abandonado um programa
desportivo em que participava, dentro da conhecida lógica siciliana que nos diz: “Podes matar, porque, desde que não haja provas válidas, ninguém te poderá
acusar de teres matado”. As escutas apesar de reais, inequívocas,
indiscutíveis, também não poderiam sustentar qualquer acusação…porque não eram
válidas. Essa a lógica e a moral dos super, dos grandes, dos médios e dos
pequenos adeptos dessa equipa.
E o rol não teria fim…Felizmente, tudo parece ter acabado a
partir do momento em que essa imensa legião de árbitros corruptos foi sendo
naturalmente afastada do futebol (sem esquecer que alguns foram irradiados) e a
arbitragem foi entregue aos próprios árbitros!
E então o futebol passou a ser um jogo. Um jogo onde há dias
bons e dias maus, um jogo onde todos cometem erros: os jogadores, os
treinadores, os árbitros. Um jogo em que a sorte também tem um papel.
Dizer que o Benfica não sofre penalties é falso. O Benfica tem sempre sofrido penalties ao longo das épocas. Em todas
as épocas o Benfica, desde que existe, sempre sofreu penalties. Coisa que se não passa com o Sporting nem com o Porto! Por
outro lado, tanto David Luiz como Maxi Pereira, jogadores citados pelo A. do
artiguelho, quando alinhavam pelo Benfica, foram expulsos, punidos muitas vezes
com amarelo e cometido faltas que originaram penalties.
O Benfica, este ano, no campeonato, ainda não cometeu faltas
para penalties, sendo essa a razão
por que até agora ainda não foram marcados. De todos os casos apontados pelos seus
principais adversários, apenas um, em Guimarães, poderia ter sido assinalado,
embora se compreenda que o árbitro o não tenha feito (referimo-nos ao contacto
de Fejsa com um jogador do Guimarães, que deliberadamente o procurou , podendo, embora isso não seja certo, o resultado desse jogo ter sido
diferente se o penalty tivesse sido
marcado. Mas que dizer, por exemplo, dos dois penalties cometidos por Marcano
na Madeira contra o Nacional? Do penalty cometido por Naldo contra o Arouca? Do
cometido por Gelson contra o Guimarães? Das expulsões perdoadas a Slimani e a
João Mário contra o Braga? Enfim, o que dizer de tudo o que neste campeonato foi
erro de arbitragem e beneficiou o Porto e o Sporting? Ou pensam os comentadores
oficiais, oficiosos e assalariados do Sporting e do Porto que é por
repetirem até à exaustão mentiras e deturpações que se tornam verdadeiros os
factos em que elas assentam? E que é por o do Benfica não andar sempre com o
rol dos erros na mão que eles deixaram de ser praticados?
Queixam-se outros de haver poucos penalties a seu favor ou de
não haver expulsões de elementos da equipa adversária. Mas como pode haver mais
penalties a favor dessa equipa se ela
raramente entra na área adversária e como pode haver expulsões dos elementos
contrários se essa equipa joga a passo e sem qualquer intensidade?
Ganhem no campo e manifestem-se
depois. Abstenham-se de invocar falsidades e estejam caladinhos para não terem
de ouvir o rol das vossas misérias e vergonhas. É este o conselho que vos
damos!