PRINCÍPIO DO FIM DE UM
MITO?
As três épocas de Mourinho à frente do Real Madrid constituem
o falhanço mais completo de uma carreira que se julgava imparável e que só
tinha o céu como limite. Uma vitória na taça do rei, outra no campeonato e uma
supertaça é muito pouco para um treinador que rumou a Madrid com o objectivo de
acabar com a hegemonia do Barcelona e conquistar a “décima” Copa da Europa para
os merengues.
Dotado de plenos poderes na condução do futebol madridista e
reunindo um dos melhores plantéis do mundo, se não mesmo o melhor, Mourinho não
só não conseguiu atingir nenhum dos objectivos que a sua contratação pressupunha,
como, pelo contrário, logrou pôr em causa alguns dos mitos que a propaganda à
volta do seu nome havia laboriosamente construído nestes últimos dez anos – a empatia
com o público da sua equipa e a relação indissolúvel com os jogadores do
plantel, dos quais e dizia, para citar a propaganda, “serem capazes de morrer em
campo por Mourinho!”.
Quanto ao futebol jogado, Mourinho, que segundo os mais
entendidos críticos do desporto-rei nunca havia trazido nada de novo ao futebol,
confirmou em Madrid a sua vocação para um futebol “resultadista”, desta vez
completamente falhada, mas incansavelmente tentada, sem êxito, até ao último
suspiro.
O que se passou em Madrid não significa necessariamente o
princípio do fim de um mito, principalmente para quem nunca olhou para Mourinho
como um caso marcante do futebol mundial, mas ajuda a definir com clareza que
tipo de treinador ele é e o que se pode esperar do seu desempenho.
Mourinho é, antes de mais, um treinador que não serve para
todas as equipas. As grandes equipas populares do futebol mundial, aquelas cujo
poder está democraticamente distribuído pelos seus apoiantes, quanto mais não
seja pela receptividade que a sua opinião acaba por ter nos órgãos directivos,
não são equipas para Mourinho nem nelas Mourinho pode pôr em prática tudo o que
considera imprescindível para alcançar o êxito, ou seja, os resultados.
Mourinho é um treinador para quem o futebol só parcialmente
se joga dentro do campo, muito à semelhança, aliás, do que pensa aquele que foi
o seu grande mentor já na sua idade madura e que tão fortemente o marcou a ponto
de esbater ou quase apagar as influências de grandes nomes do futebol jogado,
como Boby Robson e Van Gaal.
Além disso, Mourinho entende o papel do treinador como o de
um dirigente autocrático, alheio e avesso ao diálogo que o contrarie, no
círculo do qual só cabem aqueles que acrítica ou disciplinadamente o secundem,
dispensando-lhes como contrapartida dessa devoção, verdadeira ou fingida, um falso
paternalismo de cuja concessão se não cansa de extrair todas as vantagens.
Por último, Mourinho tem de ser o “Special one”. É ele que
tem de estar sob as luzes da ribalta, mesmo quando fingidamente as reparte com os
verdadeiros artistas do espectáculo.
É óbvio, como neste blogue foi antecipado há três anos, que
um treinador com estas características não tinha grandes hipóteses de êxito num
clube como o Real Madrid. E foi isso o que realmente aconteceu. Os mil e um
episódios de confronto entre Mourinho e os apoiantes do Real Madrid, entre
Mourinho e a imprensa madridista, e, por fim, com os próprios jogadores, mesmo
com aqueles que à partida lhe pareciam garantir indefectível fidelidade, mais
não são do que a expressão dessa incapacidade de adaptação de Mourinho a uma
realidade que não aceitava e que queria todo o custo alterar.
Para desconforto e decepção de Mourinho, pode ainda dizer-se
aquilo que parece ser a irreversível perda de hegemonia do Barcelona a nível
mundial nada tem a ver com a sua presença à frente do Real Madrid, sendo antes o
fim natural de um ciclo, porventura antecipado por um conjunto de factores
aleatórios e também por uma certa incapacidade de prever e prover atempadamente
às manifestas deficiências da equipa, visíveis há mais de um ano por quem
não se deixasse inebriar pela extraordinária capacidade técnica e atlética de
Messi que, de tão excepcional, tendia a ocultar o que de outro modo seria
evidente.