A IDOLATRIA QUE A EGOLATRIA RECLAMA
Cristiano Ronaldo é, sem dúvida, um dos maiores atletas portugueses
de todos os tempos. No futebol, ao serviço do Manchester United e,
principalmente, no Real Madrid, ele tem demonstrado toda a sua imensa classe
como futebolista de eleição a ponto de ombrear com génios do futebol como
Messi, Iniesta, Xavi e Ribéry, entre outros. Por uma vez já foi eleito o melhor
futebolista do ano. Também por uma vez venceu, no Manchester United, a Liga dos
Campeões Europeus que é, como se sabe, a mais prestigiosa prova do futebol
internacional.
Nos últimos três anos, Ronaldo foi algumas vezes
determinante nas vitórias do Real Madrid (um campeonato, uma Taça, uma
Supertaça) talvez até mais do que nos cinco anos que esteve ao serviço do
Manchester United, porventura por no clube inglês prevalecer uma mentalidade
mais colectivista imposta por um treinador para quem não havia “estrelas” que,
independentemente do jogo jogado, brilhassem mais do que outras.
Na selecção portuguesa, onde Ronaldo já alinhou mais de cem
vezes, as suas prestações têm sido infelizmente bem menos determinantes do que
nos dois grandes clubes por onde até hoje passou. A par de alguns jogos
conseguidos, Ronaldo na selecção, talvez pela diferença que ele entende ou
intui existir entre a sua capacidade como jogador e a dos colegas, não tem sido
na maior parte das vezes feliz. Mais: muitas vezes, nomeadamente no tempo de Queirós
como seleccionador, as prestações de Ronaldo foram prejudiciais pelo
excessivo individualismo que, voluntaria ou involuntariamente, acabava por “impor”
à equipa. Muitos críticos, principalmente nas redes sociais, pediram o afastamento
de Ronaldo por entenderem que jogando daquele modo a sua presença era
prejudicial à selecção. Aliás, numa das poucas lesões da sua carreira, em que por
razões óbvias esteve afastado da selecção, essa ausência correspondeu a um dos
melhores períodos da selecção nessa fase de apuramento.
Nada disto lhe retira a classe que indiscutivelmente tem nem
a importância de que a sua presença, desde que devidamente integrada na equipa,
se pode revestir para os êxitos da selecção. A verdade, porém, é que Ronaldo na
selecção está longe – ainda muito longe –, ao longo dos anos que já
leva como internacional, de ter sido tão determinante como outros jogadores,
alguns deles ainda seus contemporâneos, como Figo, Deco, Rui Costa ou mesmo
João Pinto, prematuramente afastado por razões disciplinares. E se recuarmos no
tempo e nos situarmos nos períodos em que o futebol português brilhou, como aconteceu
no europeu de França e no Mundial de Inglaterra, então Ronaldo perde por pontos
para Chalana (que encantou a França) e fica a uma longa distância de Eusébio
que em 1966 teve uma das mais memoráveis participações que um jogador pode ter
numa fase final de um Campeonato do Mundo de Futebol.
Algumas destas glórias não eram tão badaladas depois dos
feitos ocorridos porque os meios de comunicação da época dedicavam o seu tempo a
assuntos mais importantes deixando ao futebol apenas o tempo necessário para
descrever ou mostrar o que se passara. Ainda não estávamos na era das sociedades da comunicação...
Hoje não é assim. Por todo lado há canais especializados em
futebol que falam ou mostram futebol 24 horas por dia. Há vários programas semanais
sobre futebol nos canais generalistas e há nos canais noticiosos, abertos 24 horas, múltiplos
programas sobre futebol desde os mais indigentes aos mais
interessantes, estes muito escassos ou quase inexistentes. É por isso normal que
pequenos e grandes feitos, nomeadamente se tais feitos têm alguma ligação ao
pátrio solo, sejam empolados, exagerados e repetidos até à saciedade, criando na ideia
de quem ouve e de quem vê que este é um tempo excepcional em que no futebol se
fazem coisas que nunca noutros tempos foram feitas.
Ainda agora a propósito dos três golos de Cristiano Ronaldo à
fraca e ingénua selecção da Irlanda do Norte se teceram loas e fizeram
comparações completamente despropositadas ou mesmo absurdas. Se um jogador faz
cento e tal jogos pela selecção e com eles sobe a sua marca para mais de quatro
dezenas de golos é evidente que essa marca não pode ser comparada com as mesmas quatro
dezenas de golos obtidos por outro jogador em cerca de metade dos jogos. Assim
como o record de golos da selecção em poder de um determinado jogador
não pode ser analisado comparativamente sem entrar em linha de conta com as
equipas contra as quais a maior parte desses golos foi marcada. É importante marcar
golos, mas os golos não valem todos o mesmo. Não têm todos o mesmo significado e importância.
Dependem da equipa a que foram marcados e dependem também da importância que eles
tiveram para o resultado do jogo!
Esta idolatria à volta de Cristiano Ronaldo, que ele alimenta
e sinceramente deseja com a sua exagerada egolatria, pode ter efeitos nefastos
na selecção. De facto, é hoje patente aos olhos de qualquer observador a
influência de Ronaldo na selecção. Jogadores em fim de carreira ou já sem performance
para representar a selecção, a propósito e a despropósito, desdobram-se em
elogios a Ronaldo e em qualificações que só podem ter uma interpretação: "Se eu
o elogiar ele vai-me proteger e ninguém ousará tirar-me da selecção sabendo que
outra é a vontade de Ronaldo".
E mais: Ronaldo parece ter um estatuto que outros jogadores
não têm. Era importante que Ronaldo estivesse esta noite em Boston para defrontar o Brasil. Das duas últimas vezes que jogou contra a equipa brasileira as
suas exibições foram fracas, de modo que esta seria uma excelente oportunidade
para se mostrar ao público norte-americano frente a uma grande equipa, composta
por grandes jogadores entre os quais desponta uma vedeta que ameaça disputar na
época em curso as atenções que agora quase são monopolizadas a Messi e a Ronaldo.
Infelizmente, Ronaldo não estará presente. Mas no próximo fim-de-semana
alinhará pelo Real Madrid contra o Villa Real.
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