quinta-feira, 19 de junho de 2014

AS DERROTAS DE ESPANHA E DE PORTUGAL NO MUNDIAL DE FUTEBOL


 

DOIS RESULTADOS QUASE IDÊNTICOS DUAS ATITUDES COMPLETAMENTE DIFERENTES

No segundo dia da primeira jornada da fase de grupos do Mundial de Futebol de 2014 a Espanha foi cilindrada por uma notável Holanda por um expressivo 5-1, algo que não acontecia à “Roja” há muitas décadas.

O orgulho espanhol, campeão do mundo e bicampeão europeu, ficou profundamente ferido mais ainda numa época em que a Espanha corre o sério risco de se desagregar territorialmente e em que está simultaneamente sendo posta em causa a legitimidade das instituições decorrentes do processo de transição que marcou o fim do franquismo e o começo da democracia representativa de estilo ocidental.

Perante o descalabro da derrota para a qual contribuíram apenas parcialmente alguns erros técnicos dos seus jogadores, a selecção espanhola, jogadores, responsáveis técnicos e dirigentes, não buscaram encontrar em comportamentos alheios a justificação do acontecido, antes assumiram com dignidade e coragem a responsabilidade individual e colectiva da derrota, pedindo desculpa ao povo espanhol pela vergonha e tristeza por que o fizeram passar por aqueles noventa e tal minutos da Arena Fonte Nova de Salvador.

Dias mais tarde, a selecção portuguesa de futebol, depois de uma insuportável campanha de propaganda de quase 24 horas por dia a cargo dos media, principalmente dos canais de televisão, que não se cansavam de enaltecer os seus méritos e de endeusar Cristiano Ronaldo, foi positivamente ridicularizada naquele mesmo estádio por uma imponente Alemanha que a bateu por 4 a 0, apesar de ter jogado toda a segunda parte em jeito de passeio.

Contrariamente ao que se passou com a selecção espanhola, a derrota da selecção portuguesa não assentou apenas na indiscutível superioridade técnica e físico-táctica da equipa alemã, mas também no comportamento disciplinarmente indecoroso Pepe, nos repetidos erros individuais de Patrício e Alves, no vedetismo oco de Cristiano Ronaldo e na ausência de atitude de todo o conjunto, além obviamente das limitações estratégico-tácticas do seleccionador.

Perante um tal grau de responsabilidades nenhum jogador, nenhum responsável técnico, nenhum dirigente assumiu a responsabilidade pela derrota nem apresentou um pedido de desculpas ao povo português amante da selecção. Pelo contrário, o seleccionador manteve-se na sua obscura arrogância, refugiando-se num conceito de saber incontestável que não admite discussão, os dirigentes, principescamente pagos e rodeados de mordomias, eclipsaram-se e os jogadores, instrumentalizados ou não, tentaram ridiculamente atribuir ao árbitro a responsabilidade pelo que aconteceu, enquanto Cristiano Ronaldo, à semelhança do que fizera durante todo o jogo, ia tomando as devidas precauções para que a sua imagem física não saísse prejudicada do confronto.

Esta sobranceria, esta arrogância estúpida, feita de ignorância e desprezo, tem muito a ver com o modo como o futebol, principalmente o futebol da selecção, é entendido entre nós. O futebol, apesar de interessar a quase todos e de condicionar emocionalmente a vida de tanta gente, está excluído da democracia, como algo sobre o qual apenas os iniciados e os entendidos podem intervir, fundamentalmente para espalhar a palavra dos "sacerdotes supremos" inatacáveis e incriticáveis pelo seu imenso saber.

E, assim, uma legião de comentadores acéfalos e “situacionistas” vai não somente endeusando os artistas do jogo, qualquer que seja a sua real valia ou merecimento, e simultaneamente resguardando de qualquer crítica os tais “sacerdotes supremos” por maiores que sejam os seus erros. E aquilo que a todos parece óbvio pela evidência das respectivas manifestações, deixa de o ser em futebol porque outra é a decisão do seleccionador, que os tais comentadores acéfalos logo se encarregam de justificar do modo mais imbecil.

Como se explica que não haja qualquer alteração entre a equipa que alinhou no euro 2012 e da do Mundial deste ano? São os jogadores que constituem a equipe de uma categoria tão excepcional que nenhum outro nos dois anos que entretanto decorreram pode aspirar a integrá-la? E continuam a ser intocáveis qualquer que seja a sua forma? Ou o seu estado físico? Ou a época que fizeram nas respectivas equipas de clube?

E como se explica que jogadores de reconhecida classe nem sequer tenham sido convocados para fazer parte dos eleitos? E como se explica que em vinte e três convocados a selecção não tenha, em certos lugares, dois jogadores para a mesma posição? E como se explica que face ao primeiro esforço a sério, e que nem sequer foi nada de extraordinário dado o ritmo que a Alemanha “não impôs” na segunda parte, logo três dos convocados e utilizados tenham ficado inoperacionais para o resto do Mundial por lesões musculares? E como se explica que um jogador cadastrado com dezenas de expulsões, muitas delas por agressão, não tenha sido severamente avisado do que não poderia fazer? E como se explica que a equipa tenha chegado tão tardiamente ao Brasil e ainda por cima se tenha alojado numa zona geográfica que nada tem a ver, do ponto de vista climatérico, com os locais onde se iriam realizar os jogos da fase de grupos?

A tudo isto o seleccionador, os jogadores e os dirigentes têm de responder racionalmente e não com respostas imbecis como são normalmente aquelas que usam nas conferências de imprensa.

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