DOIS RESULTADOS QUASE
IDÊNTICOS DUAS ATITUDES COMPLETAMENTE DIFERENTES
No segundo dia da primeira jornada da fase de grupos do
Mundial de Futebol de 2014 a Espanha foi cilindrada por uma notável Holanda por
um expressivo 5-1, algo que não acontecia à “Roja” há muitas décadas.
O orgulho espanhol, campeão do mundo e bicampeão europeu,
ficou profundamente ferido mais ainda numa época em que a Espanha corre o sério
risco de se desagregar territorialmente e em que está simultaneamente sendo
posta em causa a legitimidade das instituições decorrentes do processo de
transição que marcou o fim do franquismo e o começo da democracia representativa
de estilo ocidental.
Perante o descalabro da derrota para a qual contribuíram apenas
parcialmente alguns erros técnicos dos seus jogadores, a selecção espanhola,
jogadores, responsáveis técnicos e dirigentes, não buscaram encontrar em
comportamentos alheios a justificação do acontecido, antes assumiram com
dignidade e coragem a responsabilidade individual e colectiva da derrota,
pedindo desculpa ao povo espanhol pela vergonha e tristeza por que o fizeram
passar por aqueles noventa e tal minutos da Arena Fonte Nova de Salvador.
Dias mais tarde, a selecção portuguesa de futebol, depois de
uma insuportável campanha de propaganda de quase 24 horas por dia a cargo dos media, principalmente dos canais de
televisão, que não se cansavam de enaltecer os seus méritos e de endeusar
Cristiano Ronaldo, foi positivamente ridicularizada naquele mesmo estádio por
uma imponente Alemanha que a bateu por 4 a 0, apesar de ter jogado toda a
segunda parte em jeito de passeio.
Contrariamente ao que se passou com a selecção espanhola, a
derrota da selecção portuguesa não assentou apenas na indiscutível
superioridade técnica e físico-táctica da equipa alemã, mas também no
comportamento disciplinarmente indecoroso Pepe, nos repetidos erros individuais
de Patrício e Alves, no vedetismo oco de Cristiano Ronaldo e na ausência de atitude de todo o conjunto, além obviamente das limitações
estratégico-tácticas do seleccionador.
Perante um tal grau de responsabilidades nenhum jogador,
nenhum responsável técnico, nenhum dirigente assumiu a responsabilidade pela
derrota nem apresentou um pedido de desculpas ao povo português amante da
selecção. Pelo contrário, o seleccionador manteve-se na sua obscura arrogância,
refugiando-se num conceito de saber incontestável que não admite discussão, os
dirigentes, principescamente pagos e rodeados de mordomias, eclipsaram-se e os
jogadores, instrumentalizados ou não, tentaram ridiculamente atribuir ao
árbitro a responsabilidade pelo que aconteceu, enquanto Cristiano Ronaldo, à
semelhança do que fizera durante todo o jogo, ia tomando as devidas
precauções para que a sua imagem física não saísse prejudicada do confronto.
Esta sobranceria, esta arrogância estúpida, feita de ignorância
e desprezo, tem muito a ver com o modo como o futebol, principalmente o futebol
da selecção, é entendido entre nós. O futebol, apesar de interessar a quase
todos e de condicionar emocionalmente a vida de tanta gente, está excluído da
democracia, como algo sobre o qual apenas os iniciados e os entendidos podem intervir,
fundamentalmente para espalhar a palavra dos "sacerdotes supremos" inatacáveis e
incriticáveis pelo seu imenso saber.
E, assim, uma legião de comentadores acéfalos e “situacionistas”
vai não somente endeusando os artistas do jogo, qualquer que seja a sua real
valia ou merecimento, e simultaneamente resguardando de qualquer crítica os
tais “sacerdotes supremos” por maiores que sejam os seus erros. E aquilo que
a todos parece óbvio pela evidência das respectivas manifestações, deixa de o
ser em futebol porque outra é a decisão do seleccionador, que os tais
comentadores acéfalos logo se encarregam de justificar do modo mais imbecil.
Como se explica que não haja qualquer alteração entre a
equipa que alinhou no euro 2012 e da do Mundial deste ano? São os jogadores que
constituem a equipe de uma categoria tão excepcional que nenhum outro nos
dois anos que entretanto decorreram pode aspirar a integrá-la? E continuam a
ser intocáveis qualquer que seja a sua forma? Ou o seu estado físico? Ou a
época que fizeram nas respectivas equipas de clube?
E como se explica que jogadores de reconhecida classe nem
sequer tenham sido convocados para fazer parte dos eleitos? E como se explica
que em vinte e três convocados a selecção não tenha, em certos lugares, dois
jogadores para a mesma posição? E como se explica que face ao primeiro esforço
a sério, e que nem sequer foi nada de extraordinário dado o ritmo que a
Alemanha “não impôs” na segunda parte, logo três dos convocados e utilizados
tenham ficado inoperacionais para o resto do Mundial por lesões musculares? E
como se explica que um jogador cadastrado com dezenas de expulsões, muitas
delas por agressão, não tenha sido severamente avisado do que não poderia
fazer? E como se explica que a equipa tenha chegado tão tardiamente ao Brasil e
ainda por cima se tenha alojado numa zona geográfica que nada tem a ver, do
ponto de vista climatérico, com os locais onde se iriam realizar os jogos da
fase de grupos?
A tudo isto o seleccionador, os jogadores e os dirigentes têm
de responder racionalmente e não com respostas imbecis como são normalmente
aquelas que usam nas conferências de imprensa.
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