O DESPREZO PELO
ESSENCIAL
Muitos foram os erros e as manifestações de incompetência que
acompanharam a triste deslocação ao Brasil da selecção nacional de futebol.
Desde a convocatória até ao local escolhido para sede da selecção durante o
Mundial, passando pela preparação, tudo correu mal.
Como já foi dito e redito por toda a crítica é inaceitável a
convocação de jogadores que além de terem tido um fraco desempenho durante a
época apresentavam também problemas de ordem física impossíveis de superar no
curto espaço de tempo em que se realiza o Mundial de Futebol. Como inaceitável
é que se tenham deixado de fora alguns valores indiscutíveis do futebol
português que apenas não foram escolhidos por atritos com o seleccionador, bem
como alguns jovens promissores que, pelo menos, se encontravam em excelentes
condições físicas e poderiam garantir uma presença de 90 minutos em cada jogo
sem incidentes físicos. A estes preferiu o seleccionador jogadores em fim de
carreira, em baixo de forma técnica e em estado físico deficiente.
As consequências destas escolhas desastradas, prepotentemente
feitas pelo seleccionador, com o compadrio dos seus apaniguados ou sob a
orientação dos seus tutores, estão à vista: ainda a prova não tinha começado e
já havia vários jogadores no “estaleiro”, número que se foi ampliando mal soou
o apito inicial do árbitro e se consolidou à medida que o jogo decorria e as
duas partidas subsequentes se iniciavam.
Mas se sobre a composição da selecção nada havia a fazer
depois comunicada à FIFA o mágico número de 23 participantes, já o mesmo se não
poderá dizer daquilo que foi o erro fatal que desde o início acompanhou esta
selecção: o mais completo desprezo pelo sagrado princípio de que o futebol é um
desporto colectivo. A loucura posta à volta do nome e da figura de Cristiano
Ronaldo por uma comunicação social completamente acéfala e irresponsável e a
aceitação no seio da selecção desse estúpido endeusamento acabaram por ser
fatais para a equipa portuguesa.
Aliás, entre a “loucura” da comunicação social e o “endeusamento”
no interior da selecção da figura de Cristiano Ronaldo existe uma relação muito
mais íntima do que se possa supor. O endeusamento de Cristiano Ronaldo no seio
da selecção é feito por todos aqueles que carecem do seu apoio para lá
continuarem e que serão certamente os primeiros a criticá-lo, quando, por força
das leias da vida, deixarem de ser convocados. Mas esse endeusamento é
igualmente promovido no interior da selecção pelo seu empresário como forma de
manter sobre ela e sobre as estruturas da Federação o domínio e a influência
que toda a gente que conhece os meandros do futebol sabe existir.
Por outro lado, Cristiano Ronaldo na sua idolatria ególatra
aceita tudo isso como a coisa mais natural deste mundo e deleita-se de prazer e
vaidade pela vassalagem prestada sem sequer se dar conta de que ela tem um
reverso que o prejudica seriamente e o remete, como já está a acontecer, para o
lugar dos simples mortais que jogam futebol igual a tantos outros…mas
diferente, muito diferente, dos melhores!
De facto, esta loucura à volta de Cristiano Ronaldo e a
completa secundarização da equipa como entidade autónoma, colectiva,
independente no seu ser daqueles que a constituem, foi fatal para o desempenho
da selecção portuguesa e há-de também, historicamente, ser fatal para Cristiano
Ronaldo.
Foi fatal para a selecção portuguesa, porque o futebol é um
desporto colectivo onde as individualidades podem, ocasionalmente, fazer a
diferença sem que porém o colectivo alguma vez deixe de ser o essencial e o
individual o secundário. Quando as prioridades e os valores se invertem, o
resultado certo e seguro é a derrota. E foi isso o que aconteceu. Portugal foi
eliminado na fase de grupos, apesar de objectivamente ter condições para passar
à fase seguinte no grupo em que estava inserido.
E foi fatal para Cristiano Ronaldo, porque, mais tarde,
quando se fizer a inventariação e a história dos grandes jogadores de futebol, dos
cinco ou dez grandes nomes do futebol mundial, nunca Ronaldo figurará nessa
lista em consequência do péssimo desempenho que sempre teve na grande montra do
futebol mundial. Em três participações em fases finais passou sempre ao lado,
nada tendo feito que particularmente o distinguisse pela positiva. E logo
outros lembrarão que, com excepção de alguns lampejos no Real Madrid, também nunca
ele se exibiu em grande nível noutros grandes palcos, isto é, contra grandes
adversários ou em grande jogos, como já aconteceu nas finais da Champions em
que participou.
O futuro da selecção passa, portanto, pelo seu
rejuvenescimento, pelo regresso aos valores do colectivismo e, se Cristiano
Ronaldo nela quiser continuar, pela sua colocação no seu verdadeiro lugar, ou
seja, um lugar exactamente igual ao dos seus colegas! Para isso será necessário
mudar muita coisa na Federação – aliás, se os responsáveis pela selecção
tivessem um mínimo de dignidade demitiam-se logo à chegada a Lisboa – e mudar
também o seleccionador, escolhendo um profissional verdadeiramente independente
que compreenda o que é a selecção nacional de futebol – que não é uma equipa de
clube, nem uma equipa da Federação. É muito mais do que isso, pela afectividade
e pelo entusiasmo que o seu desempenho suscita em milhões de portugueses!
A vitória tangencial de ontem contra o Gana revelou novamente
um Cristiano Ronaldo incapaz de fazer a diferença, com perdas sucessivas de
golos que a terem sido concretizadas poderiam, não obstante o triste
espectáculo que esta selecção nos tem dado, ter garantido a passagem à fase
seguinte.
Cristiano Ronaldo fez 23 remates no Mundial e marcou um golo.
Participou em três fases finais e apenas marcou um golo em cada uma delas. São
recordes lamentáveis que espelham bem, infelizmente, o que normalmente acontece
a uma equipa que esquece o princípio fundamental do futebol – um jogo
colectivo!
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