O DÉFICE DEMOCRÁTICO NO FUTEBOL
Luís Filipe Vieira na sua longa passagem pela presidência do Benfica
tem seleccionado alguns êxitos, mas tem cometido muitos mais erros. Ao
chamarmos erros às decisões do presidente do Benfica, estamos a partir do
princípio de que essas decisões não têm em vista servir outros interesses que
não os do Benfica.
Dos longos anos que leva à frente do Benfica – o que em si já é uma
grave descaracterização da natureza popular e democrática do SLB – vamos deixar
de fora os primeiros, ditos de aprendizagem, embora não seja admissível que um
clube com a dimensão e a grandeza do Benfica esteja sujeito a uma tão longa
aprendizagem pela parte de quem se candidata ao lugar de mais alta
responsabilidade do clube.
Nos mais recentes, houve indiscutivelmente alguns êxitos importantes,
embora alcançados à custa de um imenso passivo, que acabará, como todos os
passivos, por onerar e condicionar o futuro do SLB.
No ano passado, que era um ano absolutamente fundamental no contexto da
competição interna, pela desmoralização e dano que novas vitórias do Benfica
infligiriam aos seus principais rivais, Luís Filipe Vieira desprezou
arrogantemente os factores que tornariam muito provável a concretização daquele
resultado, desinvestindo fortemente na equipa de futebol, apesar de logo em
Junho/Julho da época passada serem evidentes os sinais de que os inimigos do SLB
iriam recorrer a todos os meios, lícitos e ilícitos, para impedir do Benfica de
continuar na senda de vitórias que vinha trilhando nos últimos anos. Luís Filipe
Vieira não viu o que toda a gente viu e antecipou, entregando a um acomodado e
abúlico Rui Vitória uma equipa que, à menor contrariedade, veria, por falta de
meios, esfumar a vitória que de outro modo estaria ao seu alcance. Isto sem
falar na vergonhosa participação na Liga dos Campeões, essa mancha que
indelevelmente marcará para sempre a história do Benfica na prova. Numa prova
onde se fez grande, onde ficou conhecido e reconhecido como um dos maiores do
mundo!
Pelo que tem vindo a público e pela própria natureza das contratações
efectuadas este defeso, existem fundadas razões para supor que o presidente do
Benfica já tem o Jonas e o Ruben Dias negociados ou em vias de o ser. Se o
fizer, o Benfica cometerá um erro irreparável com consequências imediatas nas
eliminatórias da Champions League. Pelo seu passado no Benfica, pelo que fez e também
pelo que não pôde fazer quando esteve lesionado, com as consequências que se
conhecem para o s resultados da equipa, Jonas é indiscutivelmente o jogador
mais valioso do plantel do Benfica, apesar dos seus 34 anos! Com Jonas na
equipa há a certeza a que já nos habituou nas últimas 4 épocas. O Jonas quer
mais dinheiro? Quer e tem motivos para isso quando se contrata um jogador sem
provas dadas no clube a ganhar mais do que ele. Se Jonas reclamar ganhar o
mesmo que se vai pagar a outro, estará a reclamar pouco. Deveria ter reclamado
mais. Por razões óbvias.
Por outro lado, vender Ruben Dias é um acto de (apetecia-me utilizar uma
expressão que não devo…) incompetência e de desprezo pela carreira do jogador. É
de incompetência, porque Ruben Dias está muito longe de ter dado ao Benfica
tudo aquilo de que ele é capaz até atingir a maturidade como futebolista, e é
um acto de desprezo porque vendendo um jovem que acaba de despontar, sem ter
adquirido a maturidade necessária para entrar na alta roda do futebol europeu,
pode estar a pôr em causa o futuro como grande jogador de futebol. O que se fez
com Renato Sanchez foi um crime. Para Vieira todavia o que importa é “sarfar” a
onda do mercado e obter lucros gananciosos que pouco ou nenhum proveito tem
trazido ao Benfica. Além de que, essas vendas prematuras são também a clara
demonstração de que a aposta na formação não passa, simultaneamente, de um acto
de demagogia e de ganância. De facto, ela nada tem a ver com a permanência durante
alguns anos dos bons jogadores da formação na equipa principal, para ganhar
maturidade e a dar vitórias ao Benfica, mas antes com a vontade de imediatamente
se livrar deles mal o marcado se perfila com uma proposta vantajosa!
Tudo isto acontece – e era aqui que queríamos chegar – porque no
futebol não há democracia. Nesse mundo obscuro que é o futebol a democracia não
penetra, contrariamente ao que sucede, ou tende a suceder, em todas as outras
actividades.
Os dirigentes do futebol e outros intervenientes que actuam ao seu
serviço estão muito mais interessados em pôr os adeptos uns contra os outros, a
guerrear-se com base em factos mais ou menos verosímeis, do que deixá-los a
ocupar-se do seu próprio clube. O que eles não estão interessados é que os
adeptos, sócios e simpatizantes dos seus clubes escrutinem os seus actos, os
interroguem, os obriguem a justificar os actos praticados. É exactamente para
impedir a penetração da democracia na gestão corrente do futebol que os adeptos
são permanentemente levados, instrumentalizados, a praticar actos que nada tem
a ver com o clube a que pertencem, visando ocupá-los durante a semana em
discussões e picardias inúteis. Muito mais importante do que atacar o clube A ou
B, era os adeptos do clube C escrutinarem e vigiarem os actos praticados no seu
próprio clube, para que não sejam surpreendidos com a prática de actos
irreversíveis, muitas vezes de consequências funestas para o futuro, imediato
ou mais remoto, seu próprio clube.
E o que se diz dos dirigentes deveria igualmente dizer-se dos
treinadores que, quase sempre, arrogantemente, se recusam a explicar ou a
justificar os seus actos sempre com base no estafado argumento de que não têm
de explicar “questões técnicas” a ignorantes, quando o que se passa é
frequentemente o contrário: é a sua insegurança que os faz refugiar-se nesse
mutismo arrogante, para não ficar a nu a sua incompetência.
A batalha do futuro deveria ser a batalha da democracia no futebol. Só
assim ele deixaria de ser o mundo obscuro e tantas vezes escabroso que
infelizmente é!
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