UMA DEFESA INSÓLITA…
Rui Pinto, natural do
grande Porto, detido em Budapeste ao abrigo de um mandato de detenção europeia,
emitido pelas autoridades portuguesas, prescindiu, ao que parece, do seu
anterior Advogado, Aníbal Pinto, também comentador desportivo afecto ao Futebol
Clube do Porto.
Os novos advogados de
Rui Pinto são William Bourdon e Teixeira da Mota.
Como tem repetidamente
sido dito e explicado pelos órgãos de comunicação social mais bem informados um
mandado de detenção europeia não é juridicamente equiparável a um pedido de
extradição.
O mandado de detenção europeia emitido por uma autoridade judicial
de um Estado membro da União Europeia é executável em todo o território da
União Europeia e consiste num processo simplificado por via do qual aquela
autoridade solicita a detenção de uma pessoa às autoridades de outro Estado
membro e a sua entrega para efeitos de instauração de acção penal ou de
execução de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade já
decretada pelo Estado solicitante. Na emissão e execução de um mandado de
detenção europeia as autoridades devem respeitar os direitos processuais dos
suspeitos, arguidos, acusados ou condenados, nomeadamente o direito à informação,
advogado, intérprete e apoio judiciário.
A extradição pressupõe um acordo
entre o Estado que a requer e o Estado que recebe o pedido, conservando este o
direito de o analisar e sobre ele decidir tanto do ponto de vista formal como
material. A Constituição Portuguesa no artigo 33.º regula com algum detalhe os
requisitos fundamentais a que deve obedecer o processo de extradição. Neste
processo, contrariamente ao de mandado de detenção europeia, o Estado
solicitado, nomeadamente as autoridades judiciárias, mas também as autoridades
políticas, conservam uma larga margem de autonomia que manifestamente não
existe no mandado de detenção europeia visto este assentar no mútuo
reconhecimento das decisões judiciais e tender a considerar como um único
território todo o território da União Europeia.
Será portanto neste contexto que os advogados agora constituídos
pelo hacker detido em Budapeste terão de organizar a sua defesa relativamente
ao mandado emitido. Segundo o que foi tornado público pelos advogados constituídos,
a sua linha de defesa consistirá no seguinte:
“O Sr. Rui Pedro Gonçalves Pinto tornou-se num
importante denunciante europeu no âmbito dos chamados Football Leaks,
relembrando-se que muitas revelações feitas ao abrigo destas partilhas de
informação estiveram na origem da publicação, durante vários anos, de notícias
que deram lugar à abertura de muitas investigações em França e noutros países
europeus"
Os
causídicos alegam que, ao longo deste processo, Rui Pinto "foi seriamente
ameaçado, sendo o seu silêncio o objectivo de muitos intervenientes no mundo do
futebol".
Igualmente
consideram que: "As autoridades portuguesas (...) ter-se-ão precipitado na
detenção do seu cliente", influenciadas pelas alegações do fundo
de investimento Doyen Sports, que apresentou uma queixa-crime em Portugal
contra Rui Pinto.
Os
advogados manifestam ainda "estranheza" relativamente
à rapidez com que o mandado de detenção foi executado e, "juntamente com os seus
colegas em Budapeste, opor-se-ão ao pedido de extradição".
E
acrescentam que: “Não pode deixar de se notar, em particular, o incrível paradoxo que
resulta da tentativa de criminalização do seu cliente, quando, na verdade, o
seu gesto cívico e as suas revelações permitiram a numerosas autoridades
judiciais europeias um avanço histórico no conhecimento das práticas criminosas
no mundo do futebol".
Os
advogados dizem ainda que o seu cliente cumpre os critérios de protecção dos
lançadores de alertas [whistleblowers], resultantes das
últimas disposições da legislação europeia e de muitos países europeus.
E
concluem afirmando: "Ao contrário do que pretendem aqueles que têm vindo a perseguir
o Sr. Rui Pedro Gonçalves Pinto, a importância da indústria do futebol não deve
ser utilizada para manter na opacidade as práticas gravemente contrárias à lei
que no mundo deste desporto se verificam".
Destas breves declarações conclui-se, sem grande esforço, que
a linha de defesa do hacker Rui Pinto (não se percebe bem se para evitar o
cumprimento do mandado de detenção europeia, se para evitar a instrução do
processo em Portugal) consiste em considerá-lo um herói, uma espécie de Robin dos Bosques da tão vituperada “verdade
desportiva”, disposto a tudo para conseguir a justiça no futebol.
Este argumento não deixa de ser espantoso quando empregado
por profissionais do Direito!
Ele assenta na ideia de que os meios justificam os fins e de
que tudo vale para alcançar o fim que se tem em vista. Obviamente, que tal
argumento é inadmissível num Estado de direito, seja ele justificativo de uma
conduta privada ou pública. Pior ainda, é a hipocrisia ou mesmo a má fé que lhe
está subjacente já que ele tem como suporte subliminar a mensagem de que o fim
que se tinha em vista é nobre e amplamente compreendido pela sociedade, não
obstante a natureza do meio através do qual foi prosseguido.
Este é, como imediatamente se compreende, um argumento
hipócrita e desonesto porque o primeiro objectivo que o hacker tinha em vista,
como aliás acontece cada vez mais com os criminosos deste tipo de crime, é a
extorsão. Ou seja, é um crime que se pratica para com base nele praticar um
outro ainda mais grave. Esta a “nobreza” do comportamento do hacker
e a pobreza da argumentação dos seus advogados. Tudo isto, sem prejuízo de a
tentativa de extorsão, nomeadamente nos casos em que antecipadamente se
suspeita do seu inêxito, poder ter em vista o encobrimento de outro crime
cometido por outro ou outros agentes.
Portanto, quando aquele objectivo não é alcançado, como foi o
caso, o hacker – na hipótese pouco provável de o trabalho não lhe ter
sido encomendado – tentará vendê-lo a quem dele possa tirar proveito e causar
dano àquele que recusou a extorsão. E foi isso o que no caso do roubo do
correio electrónico do Benfica aconteceu, quer se tenha verificado a primeira
hipótese ou a segunda: os dois dos habituais pressupostos deste tipo de crime
estão presentes no que realmente aconteceu - o produto do crime foi parar às
mãos de quem dele podia tirar proveito e o dano foi causado a quem resistiu à
extorsão.
Assim, apenas falta provar quem pagou para receber o produto
do roubo ou quem o encomendou, embora esta prova não seja excepcionalmente
difícil já que o comportamento habitual neste tipo de crimes é o pagamento ser
feito por quem tira proveito do roubo. Difícil também não será a prova de que o
dinheiro foi parar às mãos do assaltante, mais fácil ainda quando alicerçada na
evidência de o ladrão ter passado a fazer vida fora do país sem nenhuma fonte
de rendimentos declarada, de se dar ao luxo de fazer gastos elevadíssimos, como
serão certamente os honorários de caríssimos advogados para o defender. Fazer
crer que tudo isto acontece por solidariedade evangélica dos que defendem a boa
nova da verdade desportiva é uma ingenuidade em que ninguém acreditará.
Mas há mais: a pseudo heroicidade do assaltante é também
traída pelo orientação unilateral do “nobre gesto” que o levou a assaltar
apenas um clube e não os outros dois que com ele concorrem pela hegemonia do
futebol português, apesar das breves “cócegas” feitas a ambos para dar a entender
que a todos tocava por igual. Este comportamento unidireccional praticado por
um profissional da pirataria informática é igualmente um indício de que o
trabalho lhe foi encomendado, objectivo, no caso, facilitado pelas amizades e
identidades que se conhecem.
Estamos assim perante um crime com indícios suficientes para
não se poder pôr de parte a hipótese, bem provável, de se inserir na
criminalidade organizada pela sintonia com que durante mais de ano e meio se
foi construindo através de elementos roubados, truncados, falsificados e sempre
descontextualizados uma verdadeira mistificação da realidade que permitiu
manter uma actividade puramente especulativa altamente nociva para a reputação
da vítima e do seu desempenho desportivo De facto, trata-se de um crime que
ultrapassa largamente a violação da correspondência informática e consequente
possibilidade de extorsão, mas que se insere claramente na intenção de causar
dano reputacional irreparável.
Escusado será dizer que o grande beneficiário de toda esta
actividade não foi apenas Rui Pinto, quaisquer que tenham sido os proventos que
a sua actividade criminosa lhe proporcionou, mas o Futebol Clube do Porto como
principal divulgador e fomentador da campanha de descrédito do Sport Lisboa e
Benfica. Como também poucas dúvidas poderá haver que apenas existe um suspeito
de ter pago ou encomendado esta actividade criminosa, sendo de estranhar e
acima de tudo de lamentar que perante indícios tão evidentes as autoridades não
tenham materializado processualmente essas suspeitas, tendo, pelo contrário,
com a sua passiva conduta concedido a esse suspeito todo o tempo e espaço do
mundo para se livrar dos vestígios materiais que o comprometessem.
Mas, enfim, vamos continuar a acreditar que outros farão o
que até agora ainda não foi feito
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