UM DESFECHO ESPERADO
Desde a primeira hora se disse neste blogue que a passagem de
Mourinho pelo Real Madrid iria ser muito diferente dos seus anteriores
percursos no Porto, no Chelsea e no Inter de Milão.
Mourinho não percebeu que o Real Madrid era um clube com uma
especificidade muito própria, alicerçada numa prática vitoriosa centenária,
incapaz de se vergar à idiossincrasia de um treinador, por mais méritos e
sucessos que esse treinador exibisse como obra exclusivamente sua.
Mourinho não percebeu, ou, tendo percebido, convenceu-se,
dominado pela sua egolatria, que até o grande Real Madrid se vergaria aos seus mais
que discutíveis processos. E quando começou a constatar que as coisas se não
passariam exactamente como ele tinha previsto e desejado, tratou de imputar a
ausência de vitórias à impossibilidade de pôr em prática os seus métodos,
procurando com esta estratégia criar, dentro e fora do clube, um clima que favorecesse
todas as suas exigências. Mas também aqui Mourinho se enganou. O Madrid
histórico, orgulhoso do seu passado e cioso da sua maneira de estar no futebol,
não só não cedeu às exigências de Mourinho, como abriu relativamente a ele uma
clivagem que o andar dos tempos e as subsequentes atitudes do treinador só fizeram
agravar cada vez mais. Do lado de Mourinho ficou apenas a famigerada claque do
topo sul, arruaceira e nada recomendável pelas suas simpatias nazis.
Todavia, Florentino Pérez, presidente do Real Madrid, cedeu
mais do que porventura contava, mas não cedeu tanto quanto Mourinho pretendia,
tendo inclusive condicionado a satisfação das últimas exigências de Mourinho a
uma vitória de vulto, o mesmo é dizer, da Liga dos Campeões.
De facto, foi para quebrar a hegemonia do Barcelona, no plano
interno, e para reganhar a hegemonia do Real, no plano internacional, que
Mourinho foi contratado. Até à data, ao cabo de quase três anos de permanência
no clube, Mourinho não conseguiu uma coisa nem outra.
No plano interno, é certo que ganhou uma Liga, embora entre muitos
dos adeptos do Real Madrid não haja a certeza se não foi o Barcelona que a
perdeu, dúvida que a presente temporada tende indiscutivelmente a consolidar.
No plano internacional, é certo que o Real Madrid chegou nas
duas última épocas a uma fase donde há quase uma década estava arredado, mas -
e isso é que importa – perdeu a Liga dos Campeões para o Barcelona e para o
Chelsea. Na presente temporada, apesar da fraca prestação na fase de grupos,
ainda está tudo em aberto, sendo certo que Mourinho tudo fará para ganhar a
Liga dos Campeões, no que é seguramente acompanhado, posto que por opostas
razões, pelos craques do Real que também quererão demonstrar, agora mais do que
nunca, que não foi por culpa deles que o treinador não obteve os êxitos que o
presidente e a afición esperavam. Com
esta vitória na bagagem, Mourinho partiria certamente depois de tudo o que se
passou. E sem ela partirá também, embora por pressão da direcção.
O problema de Mourinho é conhecido: por um lado, é dominado
por um espírito antidemocrático que o leva a não aceitar qualquer opinião ou
posição que contrarie as suas convicções. Mourinho não se impõe pela persuasão,
nem pelo convencimento daqueles que dirige, mas pela exigência de uma obediência
cega que ele depois gratifica e recompensa com o mesmo espírito com que qualquer
ditador premeia os seus acólitos. E há sempre, tanto no futebol como em
qualquer outra actividade, gente disposta a abdicar da sua dignidade para cair boas graças do chefe e ser por ele
“paternalmente” recompensado; mas há também, felizmente, quem não abdique dela
por entender que a disciplina que o futebol exige é compatível com a
individualidade e a personalidade de cada um.
E foi essa lição que os espanhóis do Real Madrid, a que juntaram
alguns outros jogadores de outras nacionalidades, souberam dar a Mourinho. Duas
vezes campeões da Europa e campeões do Mundo, eles sabem que o seu indiscutível
valor não conflitua com a defesa da sua autonomia enquanto cidadãos.
É, porém, mais duvidoso que Mourinho tenha aprendido a lição.
As suas últimas exigências - contratação de um porta-voz que secunde e
amplifique as suas posições, nomeadamente nas críticas aos árbitros, aos
adversários e aos próprios jogadores; atribuição à sua pessoa de um poder disciplinar de
natureza ditatorial sobre o plantel e todas as demais pessoas ligadas ao
futebol; contratação de dois ou três jogadores manifestamente destinados a substituir
as actuais glórias do Real Madrid e da selecção espanhola que mais se opuseram
aos métodos de Mourinho – as suas últimas exigências, dizíamos, deixam entender
que Mourinho não sabe trabalhar de outra maneira, mostrando-se totalmente
incapaz de contornar ou evitar conflitos sempre que a realidade se opõe aos
seus processos.
Educado na pior “escola do futebol português” na qual o que
conta é a vitória qualquer que seja o meio para a conseguir, Mourinho ainda vai
ter mais dissabores na sua vida profissional se teimar na institucionalização
de processos que a generalidade das pessoas rejeita.
O segundo problema de Mourinho tem a ver com as suas concepções
técnico-tácticas, embora se trate de um problema intimamente relacionado com o
anterior. O futebol de Mourinho é pouco atractivo e adapta-se com mais facilidade
a equipas sem uma grande tradição de vitórias do que a equipas grandes que aliam
a uma tradição vitoriosa o gosto pelo espectáculo. Em Espanha, treinando um
grande clube, Mourinho experimentou problemas de dois tipos. Por um lado,
soçobrou durante mais de época e meia face ao futebol do seu grande rival
(Barcelona) e por outro demonstrou uma dificuldade inesperada perante equipas
pequenas que se fecham na defesa.
Contra o Barcelona demorou mais de dezoito meses a encontrar
o antídoto (jogar com as linhas muito baixas e privilegiar o futebol directo
para tirar partido da velocidade de Cristiano Ronaldo), tendo-se deparado, para
surpresa sua, com a forte oposição tanto da afición
esclarecida, como dos jogadores, que discordavam liminarmente da assunção desta
atitude “menorista” por parte de uma equipa com os pergaminhos do Real Madrid.
Contra as equipas menores que se fecham na defesa, Mourinho
tem igualmente revelado grandes dificuldades, queixando-se os jogadores da
ausência de esquemas tácticos eficazes para superar estas situações. Dizem os
jogadores que privilegiando Mourinho o futebol vertical acaba por não dotar a
equipa para o tipo de situações mais frequentes na Liga espanhola, que são
exactamente aquelas em que, por força da debilidade das equipas adversárias,
tal futebol não pode ser aplicado.
Tudo se encaminha, portanto, para uma saída pouco gloriosa de
Mourinho do Real Madrid. Mas atenção: a época ainda não acabou…
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