terça-feira, 4 de dezembro de 2012

MOURINHO: FIM À VISTA NO REAL MADRID



UM DESFECHO ESPERADO

 

Desde a primeira hora se disse neste blogue que a passagem de Mourinho pelo Real Madrid iria ser muito diferente dos seus anteriores percursos no Porto, no Chelsea e no Inter de Milão.

Mourinho não percebeu que o Real Madrid era um clube com uma especificidade muito própria, alicerçada numa prática vitoriosa centenária, incapaz de se vergar à idiossincrasia de um treinador, por mais méritos e sucessos que esse treinador exibisse como obra exclusivamente sua.

Mourinho não percebeu, ou, tendo percebido, convenceu-se, dominado pela sua egolatria, que até o grande Real Madrid se vergaria aos seus mais que discutíveis processos. E quando começou a constatar que as coisas se não passariam exactamente como ele tinha previsto e desejado, tratou de imputar a ausência de vitórias à impossibilidade de pôr em prática os seus métodos, procurando com esta estratégia criar, dentro e fora do clube, um clima que favorecesse todas as suas exigências. Mas também aqui Mourinho se enganou. O Madrid histórico, orgulhoso do seu passado e cioso da sua maneira de estar no futebol, não só não cedeu às exigências de Mourinho, como abriu relativamente a ele uma clivagem que o andar dos tempos e as subsequentes atitudes do treinador só fizeram agravar cada vez mais. Do lado de Mourinho ficou apenas a famigerada claque do topo sul, arruaceira e nada recomendável pelas suas simpatias nazis.

Todavia, Florentino Pérez, presidente do Real Madrid, cedeu mais do que porventura contava, mas não cedeu tanto quanto Mourinho pretendia, tendo inclusive condicionado a satisfação das últimas exigências de Mourinho a uma vitória de vulto, o mesmo é dizer, da Liga dos Campeões.

De facto, foi para quebrar a hegemonia do Barcelona, no plano interno, e para reganhar a hegemonia do Real, no plano internacional, que Mourinho foi contratado. Até à data, ao cabo de quase três anos de permanência no clube, Mourinho não conseguiu uma coisa nem outra.

No plano interno, é certo que ganhou uma Liga, embora entre muitos dos adeptos do Real Madrid não haja a certeza se não foi o Barcelona que a perdeu, dúvida que a presente temporada tende indiscutivelmente a consolidar.

No plano internacional, é certo que o Real Madrid chegou nas duas última épocas a uma fase donde há quase uma década estava arredado, mas - e isso é que importa – perdeu a Liga dos Campeões para o Barcelona e para o Chelsea. Na presente temporada, apesar da fraca prestação na fase de grupos, ainda está tudo em aberto, sendo certo que Mourinho tudo fará para ganhar a Liga dos Campeões, no que é seguramente acompanhado, posto que por opostas razões, pelos craques do Real que também quererão demonstrar, agora mais do que nunca, que não foi por culpa deles que o treinador não obteve os êxitos que o presidente e a afición esperavam. Com esta vitória na bagagem, Mourinho partiria certamente depois de tudo o que se passou. E sem ela partirá também, embora por pressão da direcção.

O problema de Mourinho é conhecido: por um lado, é dominado por um espírito antidemocrático que o leva a não aceitar qualquer opinião ou posição que contrarie as suas convicções. Mourinho não se impõe pela persuasão, nem pelo convencimento daqueles que dirige, mas pela exigência de uma obediência cega que ele depois gratifica e recompensa com o mesmo espírito com que  qualquer ditador premeia os seus acólitos. E há sempre, tanto no futebol como em qualquer outra actividade, gente disposta a abdicar da sua dignidade para cair boas graças do chefe e ser por ele “paternalmente” recompensado; mas há também, felizmente, quem não abdique dela por entender que a disciplina que o futebol exige é compatível com a individualidade e a personalidade de cada um.

E foi essa lição que os espanhóis do Real Madrid, a que juntaram alguns outros jogadores de outras nacionalidades, souberam dar a Mourinho. Duas vezes campeões da Europa e campeões do Mundo, eles sabem que o seu indiscutível valor não conflitua com a defesa da sua autonomia enquanto cidadãos.

É, porém, mais duvidoso que Mourinho tenha aprendido a lição. As suas últimas exigências - contratação de um porta-voz que secunde e amplifique as suas posições, nomeadamente nas críticas aos árbitros, aos adversários e aos próprios jogadores; atribuição à sua pessoa de um poder disciplinar de natureza ditatorial sobre o plantel e todas as demais pessoas ligadas ao futebol; contratação de dois ou três jogadores manifestamente destinados a substituir as actuais glórias do Real Madrid e da selecção espanhola que mais se opuseram aos métodos de Mourinho – as suas últimas exigências, dizíamos, deixam entender que Mourinho não sabe trabalhar de outra maneira, mostrando-se totalmente incapaz de contornar ou evitar conflitos sempre que a realidade se opõe aos seus processos.

Educado na pior “escola do futebol português” na qual o que conta é a vitória qualquer que seja o meio para a conseguir, Mourinho ainda vai ter mais dissabores na sua vida profissional se teimar na institucionalização de processos que a generalidade das pessoas rejeita.

O segundo problema de Mourinho tem a ver com as suas concepções técnico-tácticas, embora se trate de um problema intimamente relacionado com o anterior. O futebol de Mourinho é pouco atractivo e adapta-se com mais facilidade a equipas sem uma grande tradição de vitórias do que a equipas grandes que aliam a uma tradição vitoriosa o gosto pelo espectáculo. Em Espanha, treinando um grande clube, Mourinho experimentou problemas de dois tipos. Por um lado, soçobrou durante mais de época e meia face ao futebol do seu grande rival (Barcelona) e por outro demonstrou uma dificuldade inesperada perante equipas pequenas que se fecham na defesa.

Contra o Barcelona demorou mais de dezoito meses a encontrar o antídoto (jogar com as linhas muito baixas e privilegiar o futebol directo para tirar partido da velocidade de Cristiano Ronaldo), tendo-se deparado, para surpresa sua, com a forte oposição tanto da afición esclarecida, como dos jogadores, que discordavam liminarmente da assunção desta atitude “menorista” por parte de uma equipa com os pergaminhos do Real Madrid.

Contra as equipas menores que se fecham na defesa, Mourinho tem igualmente revelado grandes dificuldades, queixando-se os jogadores da ausência de esquemas tácticos eficazes para superar estas situações. Dizem os jogadores que privilegiando Mourinho o futebol vertical acaba por não dotar a equipa para o tipo de situações mais frequentes na Liga espanhola, que são exactamente aquelas em que, por força da debilidade das equipas adversárias, tal futebol não pode ser aplicado.

Tudo se encaminha, portanto, para uma saída pouco gloriosa de Mourinho do Real Madrid. Mas atenção: a época ainda não acabou…

 

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