quarta-feira, 9 de julho de 2014

A DERROTA DA SELECÇÃO BRASILEIRA


 
UM CASO ISOLADO OU A CONSEQUÊNCIA DE UM ATRASO?

 

Há na Europa a convicção generalizada de que o futebol do Brasil está muito atrasado relativamente ao que se pratica no velho continente. O Brasil tem óptimos executantes, os talentos nascem como cogumelos em dia de chuva, sem plantação e sem escola, despontam na Europa grandes jogadores brasileiros de que a generalidade dos brasileiros nunca tinha ouvido falar. Mas há também no Brasil uma escola que terá começado com Parreira (e de que a selecção de 94 já é um exemplo, não obstante os talentos que a constituíam), se acentuou com Scolari (idem, relativamente à de 2002) e depois se generalizou na formação tendente a privilegiar o físico, a rudeza em detrimento do talento puro. Esses jogadores quase todos defesas (zagueiros) e cabeças de área (de que os “Fenandinhos”, os “Paulinhos”, os "Luís Gustavos” são hoje os mais acabados exemplos) expulsaram do meio campo a tradicional criatividade e imprevisibilidade do futebol brasileiro. E o mais grave é que essa tendência está a lastrar às partes mais avançadas do campo onde também o físico tende a prevalecer sobre a arte, como é óbvio na presente selecção com os casos de Fred e de Hulk.

A par disto, que já era muito, o Brasil convive muito mal com a ideia de não ter sempre nas suas fileiras “o melhor do mundo”. Ora, como se sabe, nos últimos anos essa imputação recaiu sistematicamente em dois jogadores, embora um deles a mereça muito mais do que outro, daí que o Brasil, o futebol brasileiro, esperasse ansiosamente o despertar de um talento para logo o guindar ao pedestal de “o melhor do mundo” e à volta dele construir a sua equipa. Desgraçadamente para Neymar recaiu sobre ele essa maldição e desde então o pobre do rapaz vem arcando com a responsabilidade de levar a equipa às costas.

Esta ideia de idolatrar um jogador a quem falta ainda completar um longo percurso e fazer a equipa girar à sua volta como coisa secundária dá sempre mau resultado. Não apenas com Neymar, mas com qualquer outro que esteja na sua posição, chame-se ele Messi ou Cristiano Ronaldo. Deste último nem vale a pena falar tão evidentes são os exemplos que demostram que sem equipa, ou com a equipa secundarizada, ele não passa de um jogador comum. E o próprio Messi só foi grande no Barcelona com uma grande, enorme, equipa, onde despontavam talentos imensos como Xavi e Iniesta, para falar apenas destes, e um treinador “cinco estrelas”. Mas quando todo este contexto começou a esboroar-se, principalmente pela perda do treinador, Messi, embora continuando a ser um grande jogador, nunca mais foi o mesmo. Foi cada vez mais o Messi da selecção argentina…

Para além disto tudo, que já não era pouco, é evidente aos olhos de todos que no plano da metodologia de treino e do “pensar” o futebol, o Brasil perdeu hoje, ou melhor já perdeu há muito, na própria América Latina a hegemonia para os argentinos (mais próximos dos europeus, mas sempre muito criativos, como Bielsa, Sampaioli, entre tantos outros) e para os próprios colombianos que percebem hoje mais de futebol do que os brasileiros. Mas se no seu próprio continente perderam a hegemonia que dizer relativamente à Europa?

Esta questão é, porém, muito fácil de resolver. O Brasil tem de importar este saber até que o assimile e o supere, por muito que isso custe ao “país do futebol”. O Brasil vai ter fazer o mesmo que fizeram os inventores do futebol. Também os ingleses, durante muito tempo, não olhavam, ou olhavam com desdém, para o que se passava na Europa continental, apesar de os confrontos entre os clubes britânicos e os europeus continentais deixarem cada vez mais a nu essa fragilidade. E acabaram por constatar o que do lado de cá da Mancha já há muito se sabia: estavam atrasados. E o remédio foi importar o saber onde ele se encontrava. É isso que o Brasil vai ter de fazer. Importar tudo, desde a formação até ao futebol jogado pelas grandes equipas.

Como ao Brasil o que não falta é matéria-prima, depressa o atraso que agora existe será colmatado e ultrapassado. E nisto não pode haver orgulhos estúpidos. Da mesma forma que os brasileiros, os técnicos brasileiros, durante várias décadas, a partir de 50 do século passado, ensinaram futebol ao mundo, também agora o mundo onde o futebol está muito mais adiantado (Europa) deverá ser chamado a ensinar futebol ao Brasil, seguramente com resultados espectaculares a um prazo relativamente curto.

Dito isto, é preciso porém ter em conta que para além das debilidades técnico-tácticas da selecção brasileira, já amplamente expostas em confrontos anteriores, o Brasil foi ontem vítima de um colapso emocional, que se não tivesse existido não lhe asseguraria a vitória, mas certamente teria evitado o vexame por que passou. De facto, é quase incompreensível que jogadores excelentes, que jogam nas grandes equipas mundiais, quase todos fora do continente americano, com excepção de Júlio César (sem nenhuma culpa no aconteceu) e Fred, tenham cometido erros tão graves como os que cometeram durante todo o jogo. Erros que nunca teriam cometido se estivessem a jogar nas suas equipas europeias. Sem falar em nomes para não ser desagradável, como explicar os repetidos erros defensivos a que ontem sistematicamente assistimos? Isso era impossível nas equipas europeias em que jogam. E se porventura, por descuido, tais erros tivessem sido cometidos uma vez, jamais seriam repetidos.

Mas estes erros são apenas um exemplo do descontrolo emocional, sem o qual o Brasil sempre perderia. Claro, que no futebol o factor emocional, tanto no aspecto positivo como negativo, não pode ser desprezado. Ele existe, quer os treinadores queiram ou não. Mas do que também não há dúvida é que o futebol fica muito mais fragilizado quando os treinadores propositadamente o procuram convencidos de que ele terá um efeito positivo inigualável – um efeito que nenhuma ciência poderá igualar.

Pensar assim é um erro. Mais vale pensar o contrário, ou seja fazer como a Alemanha: o factor emocional existe no futebol, mas o nosso papel é contrariá-lo. É limitar os seus efeitos. E mesmo assim ainda resta muita aleatoriedade ao futebol: por a bola ser redonda e ser jogado com os pés…

Vamos esperar que estes 7-1 que a Alemanha deu ao Brasil acabem por ter um efeito positivo, muito mais positivo do que teria uma simples vitória tangencial…

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