POR RAZÕES ÓBVIAS
Quem, não sendo muito dado às coisas do futebol, por estes dias ouvir a
comunicação social, radio, imprensa, televisão, fica a saber que há no futebol
português um título em disputa, entre dois clubes – o Benfica e o Sporting -,
que no próximo domingo se decidirá.
Desde há pelo menos três semanas
que esta informação vem sendo massivamente veiculada. Mas não só. Quem não
souber mais nada, quem não for informado destas coisas da bola fica a supor que
há um clube – o Benfica – que tem de ganhar todos os jogos que lhe faltam jogar
para ser campeão, enquanto o outro clube – o Sporting – apenas precisa de
esperar por uma derrota ou um empate do Benfica para ser campeão. O que levará
essa pessoa pouco informada a deduzir que o Sporting já realizou e ganhou todos
os jogos que tinha que jogar. Só lhe restando agora esperar…
Todavia, não é assim que as
coisas se passam. O Sporting, tal como o Benfica, também tem de jogar todas as
semanas e só poderia ser campeão se ganhasse todos os jogos e o Benfica
empatasse ou perdesse algum. Mas, então, se é assim por que é que ninguém fala
na hipótese de o Sporting não ganhar ou de empatar um dos jogos que ainda tinha
para jogar e somente se falava nos jogos do Benfica?
Agora, que chegamos à última
jornada, o Benfica jogará em casa contra o Nacional da Madeira, enquanto o
Sporting vai a Braga jogar contra o quarto classificado, exactamente o mesmo
clube que há dois meses o eliminou da Taça de Portugal. Pois apesar de o jogo
do Benfica ser teoricamente um jogo mais fácil do que o do Sporting todo o
mundo dá o do Sporting por antecipadamente ganho e o do Benfica por ganhar,
havendo quem veja hipóteses de o perder.
Mas não é apenas na última
jornada que isto acontece. Já na jornada em que o Sporting se deslocou ao Dragão,
ninguém questionava a vitória do Sporting, questionando-se antes muito dramaticamente
a do Benfica sobre o Guimarães.
Acontecerá isto porque o Sporting
tem uma equipa tão poderosa e tão superior a todas as restantes que até seria
de mau tom admitir outro desfecho que não a vitória, enquanto o Benfica, pobre
equipa, tem de lutar pela vida como um náufrago jornada a jornada? Mas se assim
fosse o Sporting estaria muito à frente no campeonato, todos os seus índices
desde os pontos aos golos seriam inquestionavelmente incomparáveis aos demais.
Ora como não é nada disso o que se passa, bem pelo contrário, temos de
encontrar outra explicação mais convincente para este modo de apresentar as
coisas.
Uma hipótese seria a de o
Sporting saber antecipadamente que vai ganhar, com transmissão desse
conhecimento à comunicação social, que actua sempre com muita mais
racionalidade do que aquilo que em regra se supõe. A favor desta tese poderia
invocar-se a mal disfarçada felicidade com que os dirigentes, adeptos e
comentadores do Futebol Clube do Porto acolheram a derrota da sua equipa contra
o Sporting. E também o facto de tanto o União da Madeira como o Vitória de Setúbal
terem jogado contra o Sporting propositadamente desfalcados de mais de meia
equipa. Já quanto ao Braga, próximo adversário, ainda é um pouco cedo para
tentar perceber o estado de espírito com que se apresentará no domingo, embora
a hipotética contratação de Paulo Fonseca como treinador do Sporting, por fuga
de Jesus para o Porto, possa ser um índice a ter em conta.
Por outro lado, percebe-se bem
por que razão a comunicação social tem posto e continua a pôr tanta ênfase nos
jogos a disputar pelo Benfica, qualquer que seja o adversário. Compreende-se a
partir da observação do modo como essas equipas jogam contra o Benfica. É natural
que a comunicação social analisando e percebendo o imenso estímulo que para
essas equipas representa defrontar o Benfica admita permanentemente a hipótese
de o Benfica perder ou empatar o próximo jogo, qualquer que seja o valor da
equipa em causa. A comunicação social, como todos nós, não pode deixar de observar
a garra, a fúria com que essas equipas defrontam o Benfica, uma garra e uma
fúria que parecem impulsionadas por uma força exterior. Algo que vindo de fora
as impele a ter um comportamento único, um comportamento que nunca tiveram, nem
vão voltar a ter contra qualquer outro adversário.
Pelo contrário, as equipas que
jogam contra o Sporting fazem o jogo normalmente – às vezes nem isso – não havendo
qualquer evidência ou sequer indício de estarem a actuar impulsionadas por uma
força exterior. Ora, isto só demostra que nenhuma mola as impele a ter um
comportamento diferente. Não há mola, nem mala que as compense.
E no caso dos adversários do
Benfica poderá dizer-se o mesmo? Será certamente a partir da resposta a esta
questão que se poderá compreender o modo diferenciado como a comunicação social
tem feito a antevisão dos jogos do Benfica e do Sporting. A comunicação social
nunca se engana, sabe sempre mais do que parece saber e sabe certamente acerca
disto muito mais do que nós!
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