INIESTA E MESSI DESLUMBRAM BERNABÉU
Nunca na história do futebol houve uma equipa como a do Barcelona de Guardiola. Nem mesmo o fabuloso Brasil de 82, que há dias perdeu um dos seus mais brilhantes intérpretes, se equipara a esta equipa catalã. Não apenas porque o Barça século XXI sabe atacar e defender como nenhuma outra - e o Brasil defendia mal, mas também porque os adversários que hoje se lhe opõem são superiores, em todos os planos, àqueles que há trinta anos se opunham aos brasileiros.
Mas não adianta estar agora a fazer comparações, sempre falíveis, com esta ou aquela equipa. E se se chamou à discussão o Brasil 82 foi apenas para dizer que a equipa até há bem pouco considerada a mais deslumbrante da história do futebol, perdeu agora esse troféu para uma outra ainda melhor, muito melhor, o Barcelona.
A vitória de ontem, por 3-1, no Estádio Santiago de Bernabéu, contra aquele que alguns já consideravam o melhor Madrid da última década, tem um sabor especial, por várias razões. Primeiro, por o Barcelona ter entrada praticamente a perder com um golo sofrido aos 20 segundos por fífia inacreditável de Valdés. O guarda-redes que joga tão bem com as mãos como com os pés ofereceu um passe de morte a Di Maria que não se fez rogado a rematar. A bola bateu em Puyol, sobrou para Özil, que voltou a rematar, tabelou num defesa catalão e ressaltou para Benzema que fez o golo. Um golo que leva muito mais tempo a descrever do que o tempo de jogo que então existia.
O Barcelona continuou a fazer o seu jogo e o Madrid, apesar da vantagem caída do céu, manteve-se fiel ao padrão táctico que Mourinho durante semanas havia idealizado para este encontro. Pressão alta a começar pelos três da frente (Benzema, Cristiano Ronaldo e Di Maria), um meio campo poderoso (Özil, Lass e Xabi) e quatro defesas (Coentrão, Ramos, Pepe e Marcelo) sem autorização para subir, salvo os centrais numa ou noutra bola parada.
Ou seja, Mourinho manteve-se fiel aos seus princípios de futebol quando joga contra equipas poderosas - um futebol sem coragem que tudo sacrifica, nomeadamente a genialidade dos seus jogadores, a esquemas tácticos fundamentalmente concebidos para impedir o adversário de jogar. E mais uma vez a magia do Barcelona deitou por terra todos os esquemas de Mourinho, tanto os que pretendia aplicar dentro do campo, como os que usou fora dele.
Cristiano Ronaldo, uma das vítimas de Mourinho, ainda poderia ter feito o 2-0, numa altura em que o Barcelona já dominava o jogo, mas a “obsessão” Barcelona, que Mourinho transmite à equipa acaba por contagiar a maior parte dos jogadores, mesmo aqueles cujo futuro menos depende da opinião do treinador.
A partir desse lance o Barcelona dominou. Depois de uma - mais uma – genial jogada de Messi, o pujante Alexis Sanchez bateu Casillas.
Valdés ainda fez mais uma ou outra asneira, mas o desacerto do guarda-redes catalão não foi suficiente para destabilizar o Barcelona que regressou na segunda parte para fazer uma das mais deslumbrantes exibições a que o Bernabéu tem assistido. Iniesta e Messi, simplesmente geniais, acompanhados pelo sempre fantástico Xavi e por Fabregas, que acrescentou futebol, ao muito futebol que equipa já tem, apoiados numa defesa muito segura (Daniel Alves, Puyol, Piqué e Abidal), na qual, apenas a espaços, Abidal destoou e por um volante (Busquet) por onde tudo começa, puseram em campo um futebol espectáculo daqueles que somente eles sabem reservar para os grandes palcos.
E foi com toda a naturalidade que Xavi chegou aos 2-1, apesar do ressalto em Marcelo, e depois ao 3-1, por Fabregas, a concluir um grande centro de Daniel Alves.
Mourinho, pálido, vendo ruir um após outro os elementos da sua estratégia, meticulosamente alinhados durante semanas, assistia aterrado na área técnica a mais este espectáculo com que o Barcelona o brindava.
Com esta derrota do Real Madrid fica também definitivamente derrotada a concepção futebolística de Mourinho, bem como o mito do treinador vitorioso que, mercê da sua astúcia táctica, é capaz de levar de vencida as equipas mais poderosas da actualidade. A vitória do Barcelona, além de ser a derrota de tudo o que Mourinho futebolisticamente representa, é antes de mais a vitória do futebol. A vitória de quem não abdica da magia dos artistas, a vitória de quem não sacrifica a criatividade artística ao frio percurso de um jogo pretensamente eficaz.
Tudo este ano no Madrid de Mourinho foi preparado para garantir, fosse de que jeito fosse, a derrota do Barça. Tudo: desde o que se passava fora do campo, passando pela questão da arbitragem, até ao que se passaria dentro das quatro linhas. Fora do campo, para Mourinho, os jogadores e a equipa adversária (ele pensava acima de tudo no Barça…) tinham de ser tratados, pelos seus, como inimigos. As arbitragens dos jogos do Barcelona também não poderiam ser poupadas – uma catadupa semanal de críticas deveria recair sobre o "inimigo"para o desmoralizar e condicionar o “colegiado”. Dentro do campo, primeiro o longo trabalho de persuasão destinado a convencer os seus de que defender não é sinal de cobardia, mas de inteligência; depois, a marcação cerrada e a dureza impiedosa sobre os oponentes inimigos, de que Pepe, Marcelo, Lass e a espaços Xabi, deveriam ser os principais intérpretes.
Tudo ruiu. Ruiu primeiramente a concepção bélica do futebol que Mourinho tenta impor no Madrid quando o mais categorizado, prestigiado e respeitadíssimo jogador da equipa, Iker Casillas, se opôs publicamente a ela. Ruiu depois a tese da conspiração arbitral, sem tradição em Madrid, por falta de factos concretos em que se apoie. Ruiu finalmente a tentativa de intimidação dos artistas do Barcelona a qual, além de não ser seguida por toda a equipa, jamais seria aceite pelos árbitros.
Esta derrota de Mourinho contra o Barça, marcará mais do que qualquer outra - das muitas que já colecciona -, um divórcio entre o treinador e os artistas do Real Madrid que aspiram ser livres para poder exibir a sua arte.
Com alguns dos melhores jogadores do mundo nas suas fileiras, o Real Madrid tem obrigação de fazer mais, muito mais, nos grandes jogos, exibindo-se de igual para igual contra os seus grandes rivais.
Mourinho dificilmente ficará com espaço para tentar a derradeira cartada que o seu passado como treinador deixa adivinhar: prescindir de algumas das estrelas em troca de um conjunto de jogadores robotizados que obedeça acefalamente às directrizes do treinador. Nesse conjunto caberá sempre uma estrela de média grandeza no ataque, contanto que se disponha a fazer o trabalho de dois ou de três jogadores e, obviamente, um meio campo tacticamente forte, além de defesas incansáveis e um guarda-redes seguro. Mas vedetas, artistas, não!
Ponto é saber se, não ganhando nada de valor este ano, o Real Madrid lhe concederá essa nova oportunidade.
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