sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O PORTUGAL – COREIA DO NORTE DE 1966


 

COMPARAÇÕES E ANÁLISES

 
Analisemos o jogo que em 23 de Julho opôs a Selecção Portuguesa à da Coreia do Norte no Mundial de 1966, disputado na Inglaterra, e que ontem tivemos ocasião de rever na íntegra numa emissão da TVI 24.
Para quem não é daquela época e ainda não tem a dimensão do tempo que, infelizmente, só a idade confere, a primeira coisa que lhe ocorrerá dizer, principalmente se estiver de má vontade, como alguns certamente estarão, é que o futebol que se jogou foi medíocre e que os jogadores de uma e de outra equipa não teriam hoje lugar em qualquer equipa da primeira divisão de actualidade.

Puro engano e total imbecilidade. Tal afirmação, a ser feita – e verão que vai ser feita -, seria tão imbecil como afirmar que dois dos maiores cabos de guerra da história da humanidade, como Alexandre e Júlio César, seriam hoje facilmente derrotados por uma qualquer divisão de um exército moderno. Obviamente, que só um rematado estúpido poderá fazer tal comparação e acreditar nela. Mas como no futebol há lugar para todas as alarvidades, mais vale prevenir e antecipar a argumentação do que estar a responder depois de a asneira ser dita.

Certamente que o futebol nestes últimos 50 anos evoluiu muito táctica, técnica e fisicamente. Rapidamente se percebe vendo um jogo daquela época integralmente quão grande foi a evolução táctica do desporto-rei e como os próprios jogadores evoluíram técnica e fisicamente.

Mas não só. Evolução muito mais acentuada verificou-se nos meios técnicos que nos permitem ver em directo e ao vivo algo que está a acontecer a milhares de quilómetros de distância. À época, as transmissões televisivas em directo não tinham mais que meia dúzia de anos. E o melhor que no mundo se fazia em matéria de transmissões televisivas de eventos desportivos era aquilo que a BBC ontem nos proporcionou ao vermos o filme de há 48 anos. Ninguém filmava tão bem o futebol como os ingleses (ainda hoje é assim, de resto) e, todavia, aquela transmissão está a anos-luz do que hoje se faz, do que hoje a mesma BBC faz!

Com o futebol passava-se exactamente o mesmo. Aquele era o melhor futebol que à época se jogava. Ninguém no Campeonato do Mundo de 1966 jogou melhor. Uns anos antes, no fim da década de 50 e no começo da época de 60, talvez o Real Madrid e a selecção do Brasil apresentassem um melhor futebol ou, no mínimo, mais artístico, mas no Campeonato de 66 ninguém jogou melhor do que ontem se viu. Aliás, a FIFA e a e a FA (English Football Association) consideram o Portugal-Coreia do Norte e o Inglaterra-Portugal como os dois melhores jogos do Campeonato, sob todos os pontos de vista.

Depois há outros aspectos em que o futebol de então até hoje regrediu e de que maneira. Desde logo, no fair play tanto no que respeita às relações dos jogadores com o árbitro como dos jogadores entre si. Alguém viu algum jogador a protestar uma decisão do árbitro? Alguém viu algum jogador a pressionar o árbitro para marcar uma falta não assinalada? Alguém viu alguma jogada que tivesse posto em risco a integridade física do adversário? E todos certamente notaram a preocupação dos jogadores relativamente a algum adversário que saísse ligeiramente molestado de uma jogada, embora neste plano, apesar da correcção reinante, Eusébio bata todos os demais em fair play.

Quanto ao jogo propriamente dito, visto à luz da época em que se jogou, deve dizer-se que José Pereira esteve mal num dos golos, que o centro da defesa (Alexandre Baptista e Vicente) abriu muitas brechas, que Coluna, no meio campo, esteve muito longe das suas normais exibições (quase sempre de alto nível) só se tendo encontrado quando o jogo já estava virado e que Jaime Graça, embora tendo estado em bom plano, teria sido muito mais útil no meio, como volante, do que na ponta. Os laterais, que à época jogavam sem outros apoios – nem os centrais os dobravam, nem os extremos defendiam -, estiveram bem não tendo sido por culpa de Morais nem de Hilário que os portugueses sofreram três golos em 25 minutos.

Na frente, Torres também esteve longe do que costumava fazer, tendo sido muitas vezes batido nas bolas por alto. José Augusto fez alguns bons remates e o passe para o primeiro golo de Eusébio, mas teria sido mais útil se tivesse jogado a extremo-direito, que era o seu lugar. Simões foi extraordinário, foi sempre o mais inconformado e fez uma grande exibição seja qual for a época da história em que o jogo é analisado.

Eusébio com 4 golos, dois deles magníficos, principalmente o primeiro, pela rapidez e velocidade de execução e pela jogada individual que deu lugar à marcação do segundo penalty, foi a grande figura do encontro. Foi um grande jogo de Eusébio mas não foi, nem de perto, o melhor jogo de Eusébio. Foi um jogo marcante pela viragem do resultado mas houve muitos outros jogos em que Eusébio foi ainda muito maior!

Finalmente, viu-se ontem que os jogadores portugueses, apesar de jogarem em clubes rivais, não se viam uns aos outros como inimigos. Pelo contrário, havia e há sólidos laços de amizade e de camaradagem entre todos eles.

Sobre o que se passou depois, o jogo em Wembley contra a Inglaterra, a derrota e tudo o mais que antecedeu esta partida, tendo a considerar que José Carlos tem razão: houve falta de ambição do corpo técnico, principalmente do seleccionador, que se apresentou perante os ingleses como um súbdito (enfim, consequências ainda decorrentes de durante mais de 100 anos essa ter sido a posição de Portugal relativamente à Inglaterra).

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