MOURINHO EM LUTA CONTRA A NATUREZA DO REAL MADRID
Deu-se definitivamente a viragem em Madrid. Mourinho e Real Madrid são incompatíveis.
Desde o início se sabia que isso iria acontecer: em vários textos, escritos em diferentes datas, fez-se neste blogue uma antevisão do que se iria passar em Madrid.
Mourinho tem uma personalidade e um futebol que não se adaptam ao estilo dos grandes clubes da Europa: os clubes populares que construíram a sua grandeza com base num código de honra de que nunca abdicaram e com a prática de um futebol empolgante e corajoso no qual sempre contou mais o modo como concebiam o seu jogo do que o modo como destruíam o futebol adversário.
Compreende-se que num clube faminto de títulos e com uma pequena base de apoio social, um treinador como Mourinho possa prosperar. Mas nunca isso acontecerá num grande clube, que junte ao seu historial de vitórias uma legião incontável de seguidores. Esses clubes querem outro futebol, exigem do treinador outra atitude – são clubes que, por pertencerem à aristocracia do futebol, não se deixam impressionar com vitórias obtidas a qualquer preço. Querem espectáculo e aplauso geral. Não querem guerras, nem quesílas desprestigiantes.
O dia de ontem selou irremediavelmente a separação ou talvez mesmo o divórcio entre Mourinho e o Real Madrid histórico – Mourinho foi assobiado no estádio Santiago de Bernabéu quando os “hinchas” do topo sul cantaram o seu nome.
O sinal, porém, estava dado desde a véspera. A Marca, o jornal madridista por excelência e que até ao último jogo com o Barcelona sempre tinha seguido uma política de atenuação da crispação entre o treinador e os "históricos" do Madrid, noticiou na portada as desavenças havidas entre Mourinho e uma parte do balneário – os "espanhóis" do Real Madrid, dando assim corpo e tornando público perante os aficionados um conflito que o El País desde à muito se vinha fazendo eco.
Como é seu hábito quando perde, Mourinho voltou a culpar os jogadores da derrota contra o Barça. Ou dito mais correctamente: culpou certos jogadores da derrota contra o Barça, depois de publicamente ter elogiado dois dos portugueses que participaram no jogo – Ronaldo e Pepe.
Acusou Sérgio Ramos de não marcado Puyol na marcação do canto do qual resultou o primeiro golo do Barça quando toda a gente viu que foi Pepe que se deixou antecipar pela fulgurante cabeçada do catalão.
Então, porquê Sérgio Ramos? Porque era o andaluz que, segundo Mourinho, estava encarregado de vigiar Puyol nos cantos. Ramos não se ficou e explicou a Mourinho que, dentro do campo, o jogo assume dinâmicas que ele não percebe, por nunca ter jogado futebol, que obrigam a fazer modificações. Como Piqué e Puyol estavam fazendo “barreira” nos cantos, disse Ramos, foi preciso trocar marcações para assegurar uma maior eficiência.
O episódio só tem importância, porque a partir dele muita outra coisa veio à discussão, nomeadamente o modo como o Madrid sistematicamente se apresenta perante o Barcelona – como equipa de segunda ordem, defendendo com oito e procurando pela via do contra-ataque marcar um golo que lhe permita no sistema ultradefensivo adoptado ganhar o jogo.
Pior do que a discussão, foi a publicidade que ela veio a ter na imprensa espanhola. Mourinho ameaçou os “filtradores” da notícia deixando simultaneamente claro que há no Real Madrid um núcleo de jogadores que trabalha contra ele. Núcleo que a imprensa não tem qualquer dificuldade em identificar com os “espanhóis”, nomeadamente os internacionais espanhóis que, não obstante a oposição de Mourinho, conseguiram manter boas relações com os seus colegas internacionais do Barcelona – Piqué, Xavi, Iniesta, Puyol, entre outros.
Do lado de Mourinho, os portugueses. Pepe, violento e sem personalidade, é a voz do dono, qualquer que seja o treinador; Coentrão, ainda sem perceber bem o que se passa com ele, aproxima-se de Mourinho convencido que assim será beneficiado; Cristiano Ronaldo, que Mourinho se esforça por não ter contra si e a quem até faz elogios despropositados, egoísta e ególatra como é, estará sempre do lado de quem o distinga.
Os brasileiros Marcelo e Kaká, como grandes profissionais que são, acham que esta guerra não é deles e o que querem é jogar.
Os alemães, primeiramente do lado de Mourinho, têm ultimamente marcado algumas distâncias, principalmente Özil.
A próxima quarta-feira será, mais do que qualquer outro dia, um dia decisivo para Mourinho. Tanto ou até mais do que o resultado interessará o modo como o Real Madrid se apresentar em Camp Nou. Se mantiver o estilo dos últimos jogos e perder, Mourinho dirá adeus a Madrid mais dia, menos dia.
Se o Real se apresentar em Barcelona como grande equipa que é, disposta a discutir o jogo e o resultado no campo todo, Mourinho ainda terá uma chance, mesmo que perca. Isso significa que os jogadores venceram a batalha táctica contra Mourinho e, por isso, tudo farão para ganhar o campeonato e disputar com ambição a Liga dos Campeões.
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