OS ESTRAGOS JÁ SÃO
IRREPARÁVEIS
A passagem de Mourinho pelo Real Madrid, o maior clube do
mundo, tinha tudo para ser um passeio que na meia-idade coroasse Mourinho como
o grande treinador dos tempos modernos.
Dotado dos melhores jogadores do mundo, no clube com mais
títulos a nível nacional e mundial, com adeptos e simpatizantes nos quatro
cantos do planeta, Mourinho tinha realmente tudo a seu favor. Depois de ter
vencido no Porto, no Chelsea e no Inter de Milão, a estadia no Real Madrid era
por muitos considerada como aquela que à partida mais condições
objectivas reunia para ter êxito.
E todavia nunca em nenhum lado as coisas correram tão mal a Mourinho,
apesar da vitória no campeonato na época passada. No entanto, para quem conhece
Mourinho e compreende o que é um clube como o Real Madrid a situação a que
Mourinho chegou não constitui uma verdaeira surpresa.
Mourinho quis desde o primeiro dia mudar a natureza
intrínseca do Real Madrid. Transformá-lo num clube semelhante àqueles por onde
passou vitorioso. Um clube no qual ele teria o completo domínio de tudo o que
dissesse respeito ao futebol dentro e fora do campo, com toda a gente
integralmente subordinada à sua estratégia de líder incontestado, a qual, pelo simples facto de ser sua, nunca
poderia ser discutida.
Ora acontece que o Real Madrid não é um clube propriedade de
Florentino Pérez ou de qualquer outro presidente que por lá tenha passado ou
venha a passar. O Real Madrid é dos sócios. É do madridismo. O Real Madrid tem uma ética e um código de conduta que
nenhum treinador pode alterar. E os jogadores que o servem, os grandes jogadores
que o servem, nunca estão no clube de passagem. Se eles sabem interpretar com
inteligência o que significa estar no Real Madrid também eles passam a fazer
parte desse madridismo para toda a
vida.
O Real Madrid tem, como se já disse, os melhores jogadores do
mundo. Mas acontece que muitos deles juntam a essa qualidade com a que a
natureza os dotou uma outra não menos importante, aprendida nas escolas da
democracia: a cidadania e o exercício dos direitos que lhe andam associados.
E também aqui Mourinho falhou. Aquilo que os seus propagandistas
apregoavam como a sua principal mais valia como treinador - um homem por quem
os seus jogadores são capazes de fazer tudo – revelou-se afinal o exercício de
um domínio que os homens livres repelem.
Mas não foi apenas neste domínio que Mourinho falhou. Ele também
decepcionou no plano puramente técnico. E os primeiros decepcionados foram os
jogadores. Um falhanço directamente relacionado com o anterior. Ou seja, a capacidade
técnica de Mourinho exprime-se com mais eficiência nos clubes pequenos do que
nos clubes verdadeiramente grandes. Frequentemente os jogadores o acusaram de
privilegiar o futebol defensivo, que abria a porta ao futebol directo, de
contra ataque rápido, cujo modelo, porém, se mostrava incapaz de responder com
eficácia à maior parte das situações com que o Real se defrontava na maior parte dos seus jogos – ataque continuado
sem soluções de finalização.
Depois do que já parece ser a derrota inevitável no
campeonato e do que esteve a centímetros de acontecer na Taça do Rei (acontecimento
que muito provavelmente ocorrerá em Barcelona), resta a Mourinho a Liga dos
Campeões para, apesar de todos os erros, de todas as falhas e das múltiplas
inimizades que criou a sua passagem por Madrid, sair da capital espanhola com a
10.ª Taça da Liga dos Campeões ganha pelo Real Madrid. Se isso acontecer, a sua
imagem não se modificará, mas ele acabará por sair de Madrid com essa
indiscutível vitória no seu curriculum. A única que lhe permitirá relançar o “mito
Mourinho”.
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